sábado, 15 de novembro de 2008

PÓS KYOTO - I

As postagens que publicamos com o título "Kyoto: o protocolo que Obama não assinará", dizem respeito a certeza de que o presidente eleito dos EUA não terá condições políticas para levar seu pais aderir ao Protocolo de Kyoto. Todas as boas intenções demonstradas durante a campanha presidencial, ficarão somente nas boas intenções. Temos dúvidas, inclusive, se eram sinceras e verdadeiras.
O fato é que qualquer movimento dos EUA nos próximos meses já estarão em muito atrasados e vão mais atrapalhar do que ajudar. A forma como a equipe de Obama vem apresentando o tema, denota o espírito isolacionista que sempre marcou a diplomacia estadounidense.
As comunidades científica e diplomática já discutem o pós Kyoto. Afinal, a metas principais do protocolo caducam em 2012.
Apresentamos, a seguir, artigo originalmente publicado no Le Monde, e reproduzido no Brasil pela revista Le Monde Diplomatique. O artigo, longo, embora sintético, aborda diversas facetas do tema.
Aqui dividiremos em três partes.

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Os desafios do pós-Kyoto

Por que são pífios, até agora, os resultados do combate ao aquecimento global. Qual a concepção ideológica que limita as ações contra os poluidores. Que concessões os EUA reivindicam em Bali. Como adotar medidas criativas capazes de enfrentar o risco de catástrofe climática.

Aurélien Bernier

Os primeiros trabalhos de economia que prefiguram a noção de imposto ambiental remontam a 1920, quando o economista britânico Arthur Cecil Pigou publicou The Economics of Welfare, livro em que tratava das “externalidades, ou efeito externo” de um ato de produção ou de consumo. O autor tomava como exemplo as fagulhas produzidas pelas locomotivas a vapor: fragmentos de carvão incandescente que escapavam às vezes das chaminés e provocavam incêndios de florestas ou campos nas proximidades das ferrovias. Pigou considerava que uma taxa sobre os danos, imposta à empresa ferroviária, incitaria à instalação de dispositivos antifagulhas e permitiria limitar os prejuízos. Esse raciocínio lançava as bases do princípio “poluidor-pagador”.
Quarenta anos mais tarde, outro economista britânico, Ronald Coase, criticou as teses de Pigou. Com algumas décadas de antecedência às negociações de Kyoto, ele oferecia uma argumentação excelente para as empresas poluidoras que queriam escapar às exigências dos poderes públicos e assegurar a “liberdade de mercado”. Coase contestou a eficácia das taxas de Pigou, porque geravam custos de negociação, ligados à intervenção do Estado. Segundo ele, a otimização econômica seria alcançada se as vítimas dos incêndios negociassem diretamente com a empresa ferroviária. Ele afirmava que, se uma firma possuísse as ferrovias e as zonas adjacentes, ela mesma resolveria o problema por um cálculo de otimização interna. Segundo o teorema de Coase, do ponto de vista econômico, a definição dos direitos não importa: é indiferente considerar se o proprietário dos campos ou das florestas possui o direito de não ser vítima de incêndios ou, inversamente, se a empresa ferroviária dispõe do direito de provocá-los.
Mas a partir de 1970, diante de uma poluição atmosférica persistente, o governo norte-americano decidiu fixar normas muito rigorosas sobre as emissões de poluentes e revisou, para essa finalidade, uma lei federal chamada de Clean Air Act. Dois anos mais tarde, o Clube de Roma, organização internacional que reúne cientistas, economistas, funcionários de governo e industriais, publicou um relatório intitulado “Os limites do crescimento”, que previa um futuro catastrófico se os humanos não considerassem rapidamente a dimensão ambiental. A hipótese de uma relação entre a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera e a mudança climática vinha à tona. Os debates sobre o efeito estufa tornavam-se cada vez mais presentes na sociedade.
Anos 90: força ideológica dos liberais inviabiliza imposto sobre emissões e favorece solução "de mercado"
Apesar dessa tomada de consciência, houve uma vitória ideológica dos liberais, no início dos anos 90. Diante de sua incapacidade para fazer respeitar o “Clean Air Act” nas zonas urbanas, e após diversos abrandamentos, o governo dos EUA decidiu criar um sistema de permutas de direitos de emissão. Esse sistema fez parte de um novo programa intitulado “Acid Rain”, que fixava objetivos de redução das emissões de dióxido de enxofre (SO2), responsável pelas chuvas ácidas. O dispositivo concedia às 110 instalações mais poluentes autorizações para emitir SO2, além de lhes permitir comercializar livremente esses direitos no mercado.
A aposta era que as melhoras ocorreriam prioritariamente onde os custos de investimento para realizá-las fossem menores. As autorizações suplementares geradas seriam vendidas às empresas exploradoras que emitissem acima do volume que lhes era atribuído. Pesadas multas foram previstas para punir uma firma que não apresentasse, no final do ano, uma equivalência de autorizações e de toneladas de SO2 lançadas na atmosfera.
Aparentemente, esse sistema respeitava as preconizações de Ronald Coase, deixando funcionar o jogo do mercado. E o “Acid Rain” conheceu verdadeiro sucesso: o objetivo previsto — redução de 40% nas emissões de SO2, em relação à situação de 1980 — foi alcançado e mesmo ultrapassado. Se examinarmos mais de perto, porém, não seria correto atribuir esse êxito ao mercado.
Em primeiro lugar, o fortalecimento da regulamentação, somado a um controle contínuo dos poluentes que saíam das chaminés, levou um bom número de empresas exploradoras a antecipar os trabalhos de adequação às normas. Além disso, a indústria do carvão desenvolveu produtos com baixo teor de enxofre, menos emissores de SO2, que se tornaram competitivos. Esses dois fenômenos explicavam em grande parte a forte baixa das emissões, com o comércio de autorizações no mercado intervindo apenas marginalmente. Porém, os efeitos colaterais não eram desprezíveis. O poder calorífico inferior do novo carvão com menos enxofre o levava a ser consumido em maior quantidade, o que aumentava mecanicamente as emissões de um outro poluente: o dióxido de carbono! Mas os defensores da não-intervenção do Estado retiveram apenas isto: o mercado das cotas é eficaz — portanto, pode ser generalizado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Líderes estão reunidos no G20 para discutir, economicamente, como continuarão a destruir o mundo.
Um abraço Marisco. Siga em frente. Continue denunciando.
RIBEIRO.