segunda-feira, 17 de novembro de 2008

PÓS KYOTO - III

China e Índia concentram 3/4 dos investimentos no Sul. A África é, de novo, marginalizada

Depois de ter oscilado entre 20 e 30 euros durante cerca de um ano, o preço spot desabou na primavera de 2006, com a publicação do primeiro balanço das emissões reais das empresas. Esses resultados mostraram a que ponto a atribuição de cotas pelos governos foi generosa, o que não é nada surpreendente, pois os planos basearam-se nas previsões das empresas industriais. Em setembro de 2007, o preço do CO2 tocava o fundo, a 0,05 euro por tonelada à vista, o que mal cobre os custos de negociação.
A lógica subjacente aos investimentos ligados ao efeito estufa é claramente de rentabilidade. Diversos fundos de carbono são criados para gerir as carteiras de cotas, em particular aqueles liberados através dos projetos MDL. O Banco Mundial é o principal gerenciador de ativos de carbono. Na França, a Caisse des Dépôts et Consignation é ao mesmo tempo encarregada da aplicação do registro nacional de cotas e gerenciadora do fundo de carbono europeu, que ela teve o cuidado de colocar numa Sicav (sociedade de investimentos de capital variável) de Luxemburgo!
Não é necessário fazer longos cálculos para compreender por que a corrida aos projetos MDL está lançada. Levando em conta os níveis de equipamento e diferenças de custo de mão-de-obra, economizar uma tonelada de CO2 na Europa exige um investimento de 80 euros. Na China, a mesma tonelada evitada custa em média 3 euros! Ninguém achará surpreendente que as empresas dos países desenvolvidos prefiram investir na China para criar atividades econômicas em GEE ou para modernizar as instalações existentes, em vez de reduzir suas próprias emissões. Além disso, sendo abundantes os fundos de carbono com o dinheiro público, os Estados têm a possibilidade de conceder ajudas disfarçadas às empresas, pois são elas que se beneficiarão, no final, com as novas cotas criadas.
Segundo alguns analistas, os projetos MDL deveriam gerar, daqui até 2012, um volume de novas cotas equivalente às emissões de GEE acumuladas de Canadá, França, Espanha e Suíça. Em 2006, mais de 40% do mercado mundial do carbono era constituído de URCE. Uma parte delas, aliás, havia sido atribuída de maneira totalmente abusiva a projetos que não se justificam.
Os beneficiários continuam sendo os países mais atraentes para os investidores. Segundo o Banco Mundial, só a China e a Índia abarcavam 73% das URCE, e os projetos que elas acolhem contavam-se às centenas. O continente africano não tinha mais que uns trinta projetos e 80% dos créditos se concentravam em três países: África do Sul, Egito e Tunísia. Portanto, estamos muito longe das boas intenções difundidas pelas publicações oficiais, quando mencionam a proteção do meio ambiente, a transferência tecnológica ou a ajuda ao desenvolvimento sustentável.

Abre-se um mercado especulativo global, cujos riscos são cada vez mais evidentes

Para além do cinismo dos grandes grupos, o ambiente geral nos mercados ligados à mudança climática lembra o período de euforia vivido pelas novas tecnologias da informação. Uma verdadeira bolha especulativa se forma em torno dos procedimentos de economia em CO2 e geradores de cotas valorizáveis. A empresa francesa Areva batalhou vários meses com o grupo indiano Suzlon para adquirir a principal fabricante de geradores eólicos alemã, Repower, sem chegar ao que queria. No começo de abril de 2007, a empresa valorizava cem vezes seu faturamento em 2006, que ultrapassou os 12 milhões de euros. Para a filial ambiental da EDF (Électricité de France), a introdução do título em Bolsa teve um êxito que superou todas as expectativas. Em menos de uma hora e meia, a ação aumentava 20% e a cotação ao fim do dia se elevava a seis vezes a receita bruta. Em fevereiro de 2007, a companhia elétrica reforçava sua posição no mercado da energia renovável, adquirindo 66% do capital da Supra, especialista em aquecimento central a lenha.
Já o grupo Rhodia dedicou-se, nos últimos anos, a outro tipo de prática. Abalado por escândalos, beirava a falência em 2003. Sua direção decidiu apostar no carbono. Em novembro de 2005, anunciou a renovação de duas fábricas — uma na Coréia, outra no Brasil. Aplicando 14 milhões de euros em obras nessas fábricas, a Rhodia obteve cotas de CO2 (77 milhões de toneladas) valorizáveis até 200 milhões de euros ao ano! O título subiu 14% uma hora depois de lançado. O fundo de carbono em que serão colocados os títulos será gerido em parceria com o banco Société Générale.
Enquanto bancos como Lehman Brothers ou resseguradoras como Swiss-Re começam a incitar os investidores a se lançar no mercado financeiro do carbono, estamos apenas no início de um processo especulativo cujos perigos já saltam aos olhos.

No pós-2012, uma grande dúvida: manter o que não funcionou ou ousar medidas criativas e eficientes?

As negociações para o pós-2012 estão assumindo contornos inquietantes. Os participantes do protocolo parecem dispostos a numerosas concessões para obter, desta vez, a adesão dos Estados Unidos. Ora, a estratégia norte-americana poderia ser obter, em vez de objetivos absolutos de redução das emissões, compromissos não coercitivos, expressos em “intensidade de carbono”, que refletem o conteúdo em CO2 do "desenvolvimento". O referencial seria a quantidade de dióxido de carbono emitida por ponto de crescimento do PIB, o que levaria a colocar definitivamente as políticas de luta contra a mudança climática na prateleira dos objetos decorativos.
Resta pouco tempo para reagir e as "garantias" dadas por alguns ecologistas não favorecem a tomada de consciência. Quando Dominique Voynet, ex-ministra do meio ambiente da França, avalia que “a armadilha foi acreditar que as permutas de direitos de emissão constituíam um mecanismo liberal”, ou quando Alain Lipietz, deputado europeu verde, felicita-se com o sistema de licenças negociáveis, eles arriscam-se a justificar o injustificável.
Nenhuma solução eficaz pode realmente existir sem questionar os sistemas de produção e as regras do comércio internacional. Sem instituir, por exemplo, novos impostos de importação que levem em conta o conteúdo energético e carbônico dos produtos. Tal dispositivo não teria qualquer sentido protecionista: as receitas obtidas seriam utilizadas para pôr em prática projetos realmente sustentáveis nos países em desenvolvimento, confiando sua realização a empresas cujos capitais fossem majoritariamente provenientes do país anfitrião.
Essa taxa mista de carbono/energia deveria também se aplicar às atividades industriais internas. Nesse caso, metade das receitas poderia alimentar o orçamento do Estado e autorizar políticas públicas ambiciosas em matéria de meio ambiente. A outra seria colocada numa conta individualizada da empresa, reservada ao investimento em tecnologias destinadas a reduzir suas emissões. Condições ambientalmente eficazes para concessão de subsídios públicos deveriam completar o pacote. Em outros termos, para responder ao insucesso de Coase e aos desafios da crise ambiental, devemos reinventar Pigou.

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