segunda-feira, 4 de maio de 2009

ENSINAMENTOS SOBRE A CRISE. SERÁ? (6)

(... continuação)
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6 - Para reativar a economia estagnada, após uma grande recessão, recorre-se à receita de John Maynard Keynes, exposta na sua "Teoria Geral da Moeda e do Emprego", de 1936. O trabalho seminal de Keynes, posteriormente sistematizado, é a base da moderna macroeconomia, sobre a qual se fundamenta até hoje, embora profundamente revista, a formulação de políticas monetárias e fiscais. Keynes argumenta que, em períodos de recessão e deflação, a política monetária pode se tornar incapaz de estimular a demanda agregada. Só a política fiscal, por meio do aumento dos gastos e dos investimentos públicos, poderia fazer a economia estagnada "pegar no tranco".

A política fiscal keynesiana é a que expande os gastos públicos, sobretudo os de investimentos, para criar demanda agregada e reacender, por meio do chamado multiplicador keynesiano, a demanda privada. Quando o Fed expande seu ativo adquirindo créditos problemáticos, embora haja um componente fiscal embutido na provável elevação da dívida pública, trata-se ainda de uma ação de política monetária. Política monetária não convencional, com provável impacto direto na dívida pública, decorrente da incapacidade de recuperar o valor integral desses créditos, mas, ainda assim, política monetária. Embora essa não seja a política monetária clássica, à qual Keynes se referia, ela também é incapaz de estimular a economia nas atuais circunstâncias. A razão é simples: ainda que seja executada até o ponto em que o sistema financeiro, menos alavancado e recapitalizado, esteja disposto a voltar a conceder empréstimos, não haverá tomadores. Enquanto o setor privado não financeiro estiver excessivamente endividado, preocupado em poupar para reduzir seu endividamento, os únicos possíveis tomadores de novos empréstimos serão justamente os incapazes de amortizar suas dívidas. Só estará disposto a tomar novos empréstimos quem não é capaz de honrar seus compromissos anteriores. A desalavancagem apenas do setor financeiro não resolve o problema. É preciso que o setor privado não financeiro, as famílias e as empresas, também consiga reduzir sua alavancagem para que o sistema volte a funcionar. Para isso, não basta haver quem se disponha a dar crédito, mas também quem seja digno de crédito e se disponha a tomar crédito.

Há uma diferença fundamental entre as condições a partir das quais Keynes formulou suas teses e as condições atuais. A "Teoria Geral" é de 1936. Antes disso, a partir de 1932, esboços da tese ali formulada aparecem nos ensaios de Keynes . A partir de 1932, a economia americana estava ainda prostrada em profunda depressão, mas, como se sabe hoje, o excesso de endividamento do setor privado tinha sido eliminado pelo colapso do sistema financeiro, como consequência, em grande parte, de equívocos na condução das políticas monetária e fiscal. A quebra generalizada dos bancos e das empresas resolveu o problema do endividamento excessivo. Bancos, empresas e famílias estavam quebrados, mas sem dívidas. Os custos foram dramáticos, mas o excesso de endividamento desapareceu.

O fato de não se repetirem hoje os erros cometidos em 1929 leva a uma situação muito diferente daquela em que a economia americana se encontrava em 1932. Se, por um lado, não se permitiu que o sistema financeiro fosse à bancarrota, que a economia se desorganizasse por completo e que o desemprego aberto atingisse números perto de 30%, como ocorreu na Grande Depressão, por outro, a economia continua hoje, há quase dois anos do início da crise, completamente soterrada em dívidas impagáveis. Enquanto seu endividamento for percebido como excessivo, o setor privado - empresas e famílias - estará dedicado a reduzir despesas e a aumentar a poupança, até que seus compromissos tenham voltado a um nível aceitável. No início da década de 1930 não havia demanda por que não havia atividade econômica e não havia renda. Hoje, não há demanda por que a necessidade de reduzir o excesso de endividamento exige que se poupe uma parte substancial da renda. São situações diferentes.

O que ocorre hoje nos Estados Unidos é mais parecido com o que ocorreu no Japão após a crise imobiliária e bancária do início dos anos 1990. A intervenção do governo impediu que os bancos quebrassem, as políticas monetária e fiscal tornaram-se agressivamente expansionistas, os juros foram para níveis próximos de zero, e ainda assim a economia se manteve praticamente estagnada. A economia prostrada, mas sem dívida, pode dar início a uma recuperação através do aumento das despesas públicas, que funcionam como um motor de arranque. Uma vez iniciada a marcha, a renda gerada não é mais primordialmente poupada para reduzir o endividamento, mas é gasta para recompor o padrão de vida das famílias, o que cria demanda e dá início ao círculo virtuoso da recuperação. Já numa economia paralisada pelo excesso de dívida do setor privado, como foi o caso do Japão desde os anos 1990, e agora acontece nos Estados Unidos, nem a política monetária, nem a política fiscal são capazes de reativar a economia. Grande parte da renda gerada pelo aumento do gasto público é poupada pelo setor privado para reduzir seu endividamento. Interrompe-se, assim, o círculo virtuoso do multiplicador keynesiano de dispêndios.

A melhor análise de situações como essa, da economia em deflação, paralisada pelo excesso de dívida, não é de Keynes, mais voltada para como reativar uma economia em que as dívidas foram dizimadas pela depressão, mas do economista americano Irving Fisher (1867-1947). Keynes, ao menos o da "Teoria Geral", é o economista do período pós-depressão. Fisher é o grande analista dos períodos depressivos em si, quando a questão do endividamento excessivo e da deflação é dominante .

Fisher estudou as depressões de 1837 e 1873, assim como a de 1929 a 1933, e desenvolveu sua tese de que nem a política monetária, nem a política fiscal são capazes de estimular a economia enquanto perdurar uma situação de endividamento excessivo. Para se ter uma ideia relativa da magnitude do problema do endividamento, o total da dívida americana em 1929 era de 300% do PIB e chegou a quase 360% no fim do ano passado, depois de ficar entre 130% e 160%, desde o início dos anos 1950 até o final da década de 1980. Ben Bernanke, o atual presidente do Fed, ele próprio um acadêmico com trabalhos importantes sobre os períodos de depressão, demonstrou ter consciência da dificuldade de sair do atoleiro deflacionário, quando há alguns anos, em visita ao Japão, afirmou que a melhor maneira de sair da deflação é não entrar nela .

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