terça-feira, 5 de maio de 2009

ENSINAMENTOS SOBRE A CRISE. SERÁ? (7)

(... continuação)
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7 - Há uma simetria entre a questão da inflação e a questão da deflação. Antes, é preciso especificar que a inflação que quero contrapor à deflação não é a pequena inflação, sempre presente numa economia saudável, nem mesmo um surto inflacionário mais forte, por pressões circunstanciais, que pode levar os índices anuais acima dos dois dígitos. O quadro inflacionário ao qual me refiro é o das grandes inflações crônicas, como o que caracterizou a economia brasileira desde a década de 1970 até a estabilização, com o Real, nos anos 1990. Assim como o quadro inflacionário crônico é essencialmente um problema de endividamento excessivo do setor público, o quadro deflacionário é essencialmente um problema de endividamento excessivo do setor privado.

A inflação crônica decorre de uma incompatibilidade intertemporal da restrição orçamentária do governo, independente da função de taxação que vier a ser adotada. Trata-se do caso em que o setor público abusou de tal forma da sua capacidade de extrair recursos, seja das gerações presentes - através de tributos ou do chamado "imposto inflacionário" - seja das gerações futuras, através do endividamento, que sua credibilidade é finalmente exaurida. A dívida pública passa a ser percebida como impagável e a moeda nacional é substituída por moedas paralelas. O fim das grandes inflações passa necessariamente pela redução do endividamento público, ou pela socialmente onerosa hiperinflação, ou, alternativamente, por alguma forma de "default". No caso do Brasil, o Plano Collor, apesar de fracassado, revelou-se uma forma barroca e complexa, ainda mais agressiva do que um "default" negociado, de reduzir a dívida pública. Foi, entretanto, condição para que a sofisticada desindexação do Plano Real viesse a ter sucesso.

A deflação, por sua vez, decorre de uma incompatibilidade intertemporal da restrição orçamentária do setor privado. A partir de determinado ponto de endividamento, o setor privado só se percebe como capaz de carregar sua dívida enquanto acredita na contínua alta dos preços de seus ativos. Como a alta dos preços dos ativos é alimentada pelo próprio endividamento, a partir de certo ponto, o processo adquire características de uma "bicicleta especulativa". No momento em que se interrompe a alta dos preços dos ativos, o setor privado se descobre subitamente insolvente. As bolhas especulativas imobiliárias, sobretudo residenciais, por basearem-se nos ativos de propriedade mais abrangente, são as que mais estragos causam quando se exaurem. Diante da ameaça de deflação, a opção por não dar crédito público a um setor privado insolvente - não havendo, portanto, uma política monetária agressivamente contracíclica - é o equivalente simétrico, no quadro da inflação crônica, a permitir que se chegue à hiperinflação aberta. Essa foi a opção feita em 1929, com a insistência no equilíbrio fiscal e na manutenção do padrão ouro. O resultado, assim como na hiperinflação aberta, é "zerar a pedra", através da quebra generalizada. Não é preciso destacar os custos absurdos da opção de resolver o endividamento excessivo - seja público, via hiperinflação, seja privado, via depressão - através de uma política de terra arrasada.

A experiência de 1929 ensinou que o apego à ortodoxia, a recusa de financiar com recursos públicos uma economia insolvente, é um equívoco a não ser repetido. Infelizmente, sabe-se desde Keynes, a política monetária expansiva não é capaz de estimular a economia nessas circunstâncias. É capaz de evitar seu colapso, aprendeu-se com os estudos posteriores de Milton Friedman e Anna Schwartz , mas, ao dar sobrevida a uma economia atolada em dívidas, torna ineficaz também a política fiscal, como já havia observado Irving Fisher. Enquanto o endividamento não for digerido, tanto a política monetária como a política fiscal são ineficazes. As alternativas não são atraentes: deixar a economia desmoronar, para que as dívidas desapareçam e em seguida usar a política fiscal para reanimá-la, ou inundar a economia insolvente com crédito público, para evitar o colapso, mas ficar sem instrumentos para tirá-la de uma prolongada letargia. Um fim horroroso ou um horror sem fim.

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