quarta-feira, 13 de maio de 2009

A TEORIA ECONÔMICA ORTODOXA DEVE AVANÇAR

Bastaria fechar o país aos fluxos especulativos para recuperar o poder da política monetária

César Locatelli


Diversos conceitos econômicos ortodoxos, presentemente hegemônicos entre economistas, jornalistas e governantes, atravessam o artigo de André Lara Resende, "Além da crise: desequilíbrio e credibilidade", publicado em 24/04/2009, neste jornal. Ele expõe, competentemente, os desequilíbrios que empurraram o mundo para a crise, o estágio atual das economias e seu lento desenvolvimento até alguma recuperação. O que se busca aqui é explicitar os pressupostos de sua teoria, criticá-los quando couber e propor alternativas onde ele não vê saídas.

O pensamento conservador atual, ensina Philip Arestis, corporifica a Macroeconomia do Novo Consenso que, dentre outras regras, propõe que:
1) o controle da inflação é o objetivo prioritário da política monetária, que deve ser operada por especialistas independentes;
2) que a política fiscal deve subordinar-se à política monetária;
3) o alto nível de atividade, que leva o desemprego para baixo de sua taxa natural, é a causa da inflação;
4) que a política monetária não tem efeitos permanentes sobre o nível de atividade; e
5) que não se deve estabelecer metas para a taxa de câmbio.

Desregulamentação e abertura das economias nacionais também são aceitas pelo consenso. A impossibilidade, presente nesse consenso e admitida por Resende, de lançar mão de políticas compensatórias anticíclicas, que fragiliza os países periféricos, já seria motivo suficiente para que algumas vozes, que não aceitam a inevitabilidade dessas práticas, dissonassem.

Resende explica o desequilíbrio global: de um lado, os enormes déficits americanos, fiscal e comercial, viabilizavam um forte crescimento econômico, sustentado pelo endividamento privado explosivo. Do outro, os países emergentes exportavam, faziam dólares, os mantinham em altos volumes de reservas, financiavam o déficit americano e, simultaneamente, reprimiam o consumo de sua população. Saliente-se que o mercado imobiliário era um importante canal para o endividamento das famílias nos países centrais, já que na bolha todos acreditavam que os preços só subiriam. Tratava-se de um equilíbrio insustentável no longo prazo, rompido pelo rebaixamento extemporâneo da classificação de risco de algumas empresas securitizadoras de créditos imobiliários.

Aos países emergentes restava ficar no bloco dos países marginalizados, como a Venezuela, ou assumir sua "inserção subordinada" , como o México, afirma Resende, que atribui "inequívoca" vantagem a esta última. Além de ser possível questionar essa vantagem, há inúmeros outros equilíbrios intermediários entre os extremos. Qual a razão para se imaginar que é impossível administrar a abertura comercial de um país? Aliás, seriam os benefícios da abertura sempre inquestionáveis? Ou são as elites dos países subdesenvolvidos que apenas querem consumir como num país central? Mesmo Celso Furtado achava que, no consumo suntuoso das elites, residia um dos poderosos entraves ao nosso desenvolvimento.

O governo americano proveu liquidez e as dívidas foram estatizadas, mas não desapareceram, o que dificulta a normalização, aponta Resende. O questionamento feito por muitos é que há concessão de renda para certos setores nessas intervenções. Foram protegidos aqueles que detêm depósitos nas instituições financeiras. Como no Proer, a ajuda brasileira aos bancos, pode-se dizer que era inevitável agir assim, contudo, deve-se apontar quem ganhou ou deixou de perder e quem efetivamente perdeu. A ameaça de crise sistêmica não é usada para viabilizar politicamente medidas que favorecem setores específicos?

Resende diz que a base da atual macroeconomia tem origem em Keynes, mas a "profunda revisão" de suas ideias certamente o faria abrir mão dessa paternidade. Keynes responderia, como fez em "The collected writings of JMK", que "o remédio correto para os ciclos econômicos não consiste em evitar os booms e assim nos manter em uma semidepressão, mas em abolir as depressões e nos manter desse modo permanentemente em quase-boom". Não seria o Brasil em um quase-boom mais adequado à realidade? Talvez até mais contagiante para as expectativas?

Os países emergentes adotaram uma postura mercantilista exportadora para conquistar credibilidade, admite Resende. Mas, a busca perene de credibilidade e confiança não é fruto de uma abertura financeira indevida e inútil? Bastaria fechar o país aos fluxos especulativos para recuperar o poder de fazer política monetária. A riqueza financeira não se preocupa com a produção e flui pelos países periféricos que se converteram em plataformas de sua valorização, afirmam diversos economistas. Qual é o pecado de, por exemplo, não querer dinheiro externo de curto prazo? Não é um contrassenso pagar altos juros para recursos especulativos? Ademais, sempre se perdoa o excessivo conservadorismo do Banco Central, mas combater ferrenhamente a inflação não ajuda mais quem tem dinheiro e prejudica mais quem depende da economia aquecida para conseguir emprego?

Resende teme que da crise resulte um redesenho repressor das atividades do mercado financeiro. O que seria, então, melhor: correr o risco de uma economia sobre-regulada ou de uma economia sub-regulada que pode gerar crises avassaladoras como a atual? Se o que se quer é proteger as instituições financeiras, o temor é pelo cerceamento de suas atividades. Se o que se quer é crescer com melhor distribuição de renda a resposta pode ser outra.

Resende advoga um novo marco institucional global e finaliza: "a globalização da economia e da cultura, fruto do progresso tecnológico, não parece ser um processo reversível sem um retrocesso do progresso da humanidade". Mesmo deixando de lado por um instante os danos ao planeta, cabe perguntar se esse progresso da humanidade que assistimos até essa crise é aquele que realmente queremos? Seria anacrônico o quadro político e institucional mundial ou o ideário econômico hegemônico? Ou os dois?

César Locatelli é economista e conselheiro fiscal. Foi diretor do antigo BankBoston e executivo do mercado financeiro por duas décadas.

(Reproduzido de Google Notas / Luis Nassif - Publicado originalmente no jornal Valor Econômico)

Um comentário:

Val Du disse...

Fala Marisco!

Amigo Marcos, por onde andas?

Beijos