domingo, 22 de junho de 2008

PROJETO CALHA NORTE - VII

4ª e última parte do artigo escrito por Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling, em 1989.

Em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=482


Sociedade: Calha Norte - Além das fronteiras
em 30/06/1989



São 6 mil e 500 km de extensão, nos limites brasileiros com a Guiana Francesa, o Suriname, a Guiana, a Venezuela e a Colômbia, a serem ocupados militarmente, a pretexto de "fortalecer a presença nacional" na região. Na verdade, o plano elaborado na ditadura militar e que Sarney está implementando é a materialização das teorias geopolíticas do General Golbery do Couto e Silva. As segundas intenções são estender o poderio militar do Brasil para além do território nacional.

por Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling*


Internacionalizar, uma velha idéia

A primeira tentativa de internacionalizar a Amazônia data de 1853. Mathew Fontain Mauri, então chefe dos serviços hidrográficos dos Estados Unidos, revelando impressionantes conhecimentos geopolíticos para a época, defendia, em um livro intitulado The Amazon River and Atlantic slopes of South America, a tese de que, por estar o Pará mais próximo de Nova York do que do Rio de Janeiro, e por serem os transportes para o Norte mais fáceis, dever-se-ia internacionalizar a navegação em toda a bacia.
Na verdade, ao longo de mais de um século a Amazônia vem sendo cobiçada pelos estrangeiros. No governo do marechal Gaspar Dutra, em 1948, houve uma tentativa patrocinada pela Unesco. Em uma reunião realizada em Iquitos (Equador) foi aprovada a criação do Instituto da Hiléia Amazônica, organismo multinacional constituído por dezessete países, cujo objetivo explícito era a investigação científica e a exploração dos recursos naturais da região. O plano consistia na alienação gradual da metade do território amazônico brasileiro e de partes consideráveis dos territórios dos outros países da bacia. O plano acabou sendo arquivado por causa de uma intensa campanha popular, por denúncias de parlamentares e pela firme oposição do Clube Militar, então controlado por oficiais nacionalistas.
Depois do golpe de 1964, um acordo estabelecido pelo atual senador Roberto Campos, na época ministro do Planejamento do marechal Castello Branco, com a Associação Nacional de Ciências de Washington ressuscitava o projeto de internacionalização. A Amazônia seria colocada sob controle de um organismo internacional dirigido por uma junta executiva com sede em Porto Rico. Seu conselho deliberativo seria instalado em Washington. Essa nova proposta fracassou porque o governador do Amazonas, Artur César Ferreira Reis, se negou a firmar o acordo, denunciando a tentativa de se levar o Brasil a leilão. Depois, veio a tentativa de formação dos "grandes lagos" de Herman Khan, diretor do Hudson Institute.
Paralelamente, a ocupação e penetração das transnacionais vem se dando com completa cumplicidade dos governos. Uma comissão parlamentar de inquérito da Câmara dos Deputados, cujo relator era um militar da antiga Arena, brigadeiro Haroldo Veloso, concluía, já em 1965, que "mais da metade do território brasileiro está separada do resto, rodeada por um cinturão de propriedades estrangeiras". Um exemplo marcante do conluio dos governos militares com os interesses estrangeiros foi o Projeto Jari. O americano Daniel Keith Ludwig, valendo-se de sua amizade com os generais Golbery e Ernesto Geisel, conseguiu formar um feudo de 32 mil km2, uma superfície equivalente à da Bélgica ou à da Holanda.
Depois de 64, aviões da Geographic Division of the United States Armv passaram a fotografar todas as áreas do território brasileiro, que por um motivo ou outro interessassem às autoridades e aos monopólios americanos, utilizando os mais modernos processos, entre eles, o cintilógrafo. Hoje, os satélites cumprem essa função e sem ruídos. Com isso, os Estados Unidos passaram a conhecer, melhor que os brasileiros, não só a superfície como todo o subsolo do Brasil.
Não resta nenhuma dúvida de que o Projeto Calha Norte é uma tentativa (mais modesta em razão da falência econômica do país) de concretizar alguns dos "sonhos heróicos" intentados na década de 70 (como a saída ao Pacífico e ao Caribe).
Enquanto se trata de restabelecer projetos expansionistas dos geopolíticos militares, se liquida de forma sistemática com a soberania nacional. Atuando como síndico dos bancos credores, o FMI monitora rigidamente a economia do país, levando-o a recessão e ao caos econômico-social. O ministro da Fazenda se mantém porque assim o exigiu, em sua última visita de inspeção, o presidente do Citibank, Mr. John Redd. Toda a economia do país está a serviço da dívida externa (dos US$ 19 bilhões de saldo da balança comercial conseguidos com tanto sacrifício no ano passado, US$ 17 bilhões foram destinados aos banqueiros internacionais). As empresas estatais trabalham com prejuízo para proporcionar energia, matérias-primas, fretes altamente subsidiados etc, às transnacionais e estão sob a ameaça de serem entregues ao capital alienígena.
O governo cria as zonas de processamento de exportação (ZPEs), onde o capital estrangeiro gozará de total extraterritorialidade. Com os incentivos fiscais concedidos por meio da Sudam, o governo proporciona recursos, inclusive a empresas internacionais, para instalar-se na Amazônia, destruir a seiva tropical a pretexto de uma exploração pastoril totalmente artificial. A custos faraônicos, o governo constrói ferrovias e rodovias para tornar ainda mais baratos os produtos brasileiros lançados no mercado internacional (como o caso do minério de ferro, cujo preço se mantém há mais de dez anos em US$ 15 a tonelada, como se o signo monetário americano fosse algo estável). Continuam em cogitação, inclusive, planos de alienação do território nacional, como o "Projeto JICA" (500 mil km2 nos Estados de Minas Gerais e Goiás, com a imigração de três milhões de japoneses).
Enquanto se liquida, de todas as maneiras, com a soberania do país, absurdamente se elaboram novos projetos expansionistas. Para tratar de entender essa loucura é necessário ler o livro de Golbery, especialmente sua teoria sobre o "satélite privilegiado" (os geopolíticos americanos falam de "keycountry"). O Brasil deve aceitar de forma incondicional a hegemonia dos Estados Unidos (e atualmente dos demais países imperialistas), mas deve associar-se à exploração imperialista sobre os demais países do subcontinente sul-americano. É a teoria do sócio menor e, simultaneamente, do gendarme mantenedor da ordem imperial.

*Luzia Rodrigues é jornalista e membro do Conselho Consultivo da ABI-SP. Paulo R. Schilling é jornalista, responsável pelo projeto da dívida externa do Cedi, membro do Conselho Editorial da Revista Tempo e Presença, integrante do Desep-CUT.

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