sábado, 14 de junho de 2008

PROJETO CALHA NORTE - III

Projeto Calha Norte foi objeto de tese de doutorado.
Essa é a primeira parte da entrevista concedida pelo cientista político Durbens Nascimento sobre o Projeto Calha Norte e a tese de doutorado desenvolvida.

Em:
http://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/beira29/noticias/noticia8.htm



Pesquisador defende Programa Calha Norte

Depois de realizar amplo estudo sobre o projeto, cientista político diz que é preciso avaliar seus objetivos dentro da nova ordem mundial

Tatiana Ferreira

O Projeto Calha Norte surgiu em 1985. Ele foi concebido com o propósito de proteger uma área considerada vulnerável para a segurança nacional. Ao mesmo tempo em que previa o aumento da presença do Estado na fronteira, o projeto apontava a necessidade do desenvolvimento econômico-social dessa área, inclusive com o estímulo à migração.
Em sua tese de doutorado, o cientista político Durbens Nascimento, realizou um amplo estudo sobre o Programa Calha Norte. A partir dessa experiência, ele avalia questões ainda mais amplas, como as questões geopolíticas que envolvem a Amazônia e a presença do Estado na fronteira.
Uma das principais justificativas para a criação do projeto era a forte presença de cubanos no Suriname. Em 1985, o mundo ainda vivia sob a égide da Guerra Fria e o Brasil, do ponto de vista geopolítico, estava sob a influência direta dos Estados Unidos. Outro motivo era a existência das guerrilhas colombianas, principalmente o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Além disso, o governo também queria impedir o contrabando na fronteira e os conflitos entre empresas mineradoras, garimpeiros e índios.
Para o pesquisador Durbens Nascimento, as dificuldades que as forças armadas encontraram para combater a Guerrilha do Araguaia, na década de 1970, também influenciaram a criação do projeto, embora isso não tenha sido divulgado oficialmente.
Mas, na época da implantação, o projeto Calha Norte encontrou resistência na sociedade civil. "Havia todo um movimento para frear a tradição de intervenções militares e ditaduras na história brasileira. Era preciso redefinir o papel da relação entre estado e sociedade, no sentido de construir um tipo de democracia que não possibilitasse a continuidade dessa tradição autoritária do Brasil", conta o pesquisador.
O Projeto Calha Norte foi divulgado, em primeira mão, pelo jornal Estado de São Paulo. A série de reportagens mostrava que o governo pretendia instituir um projeto militar nas zonas de conflito, principalmente em área da nação yanomami que seria diretamente atingida pelo projeto. A divulgação desses planos causou reações na sociedade civil e, principalmente, nas entidades de defesa dos povos indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Segundo o pesquisador, existe, no entanto, outra explicação para o episódio. "Os militares poderiam ter facilitado a divulgação intecionalmente porque queriam pressionar o governo no momento em que era discutida a possibilidade da convocação de uma nova constituição e a criação de novos projetos. Tratava-se de barganhar recursos para o projeto", observa. Embora não tenha uma opinião fechada sobre o assunto, Durbens acredita que uma hipótese não está dissociada da outra. "Hoje acho essa questão secundária. Uma hora eles teriam que se expor para aprovar o projeto.", conclui.
Nessa primeira fase do Calha Norte, houve a construção de quartéis, o deslocamento de militares para a região, uma série de obras e ações também foram implementadas na fronteira. Durante a realização da pesquisa, Durbens também fez um estudo sobre o financiamento do projeto ao longo dos anos. O cronograna inicial do projeto, de 1985 a 1990, foi cumprido, mas do ponto de vista dos recursos isso não aconteceu. Só nos últimos anos o montante estabelecido foi repassado. A partir de 1990, o projeto entrou em crise e praticamente foi abandonado. No governo de Fernando Henrique Cardoso foi a vez da criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que passou a ser incentivado. Também foi criado o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam).
O panorama começou a mudar em 1996 quando o governo FHC estruturou a nova política de defesa nacional. Ela incorporou a reflexão sobre a conjuntura regional, nacional e internacional, em que se destaca o reconhecimento de toda uma mudança na ordem internacional que já não era a mesma da época da Guerra Fria. Foi preciso, então, instituir novos conceitos, pensar a segurança nacional dentro de novos parâmetros internacionais, que não mais se resumiam a um mundo bipolar.
"Você tem agora um mundo multipolar, do ponto de vista das relações comerciais e financeiras, e ao mesmo tempo unipolar, visto que uma única potência, os Estados Unidos, tem capacidade de impor a sua vontade aos demais países, dado que possui instrumentos de guerra que nenhum outro possui", observa o pesquisador.
O novo contexto em que surgiu a nova política de defesa nacional também inclui questões como o terrorismo, o contrabando, o narcotráfico e a biopirataria na Amazônia. Existe a dificuldade de se definir onde e como combater o inimigo. O pensamento militar e a nova política de defesa nacional passaram a refletir essa mudança.

-------------------
-------------------

A entrevista continua. Publicaremos adiante.

Nenhum comentário: