quarta-feira, 18 de junho de 2008

PROJETO CALHA NORTE - V

Seqüência (2ª parte) do artigo de Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling, escrito em 1989.

Em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=482

Sociedade: Calha Norte - Além das fronteiras
em 30/06/1989

São 6 mil e 500 km de extensão, nos limites brasileiros com a Guiana Francesa, o Suriname, a Guiana, a Venezuela e a Colômbia, a serem ocupados militarmente, a pretexto de "fortalecer a presença nacional" na região. Na verdade, o plano elaborado na ditadura militar e que Sarney está implementando é a materialização das teorias geopolíticas do General Golbery do Couto e Silva. As segundas intenções são estender o poderio militar do Brasil para além do território nacional.

por Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling*


A ação do Itamaraty

Logo depois que os Estados Unidos protagonizaram a estúpida intervenção militar na pequena ilha de Granada (parece que os 100 mil granadinos estavam pondo em perigo o maior império dá História ...), os coronéis que governam o Suriname foram acusados de ter sido ganhos para a causa do socialismo, representando um perigo para a civilização ocidental e cristã... Para "exorcizar" esse perigo, o governo brasileiro enviou a Paramaribo uma missão chefiada pelo general Danilo Venturini. Algumas semanas depois, o Suriname foi "reconquistado para a causa ocidental e cristã". Vale ressaltar que nesse ponto o Itamaraty revela-se mais competente que o Departamento de Estado americano.
Pois bem. O resultado concreto da visita de Sarney foi um convite, de parte do atual governo do Suriname, para que o Brasil participe de uma "aventura na selva" daquele país: ajudar a construir Kabaleko, um projeto orçado em cerca de US$ 1 bilhão. E o Carajás do Suriname, define o Itamaraty. Completo, o projeto terá uma central hidrelétrica de grande porte, uma ferrovia ligando a região ocidental do Suriname ao Atlântico, uma fábrica de alumínio e um complexo portuário. Além disso, uma empresa brasileira já está se responsabilizando pela instalação de um serviço telefônico de 25 mil terminais naquele país, além das comunicações por microondas. O Suriname, a exemplo do Paraguai, se candidata a ser outro "Porto Rico" do Brasil.
No caso da Guiana, as relações do Brasil com esse país chegaram a ficar ameaçadas quando o então presidente Forbes Burnham, num gesto soberano, autorizou que aviões cubanos utilizassem o aeroporto de Thimeri em sua rota para Angola. Era novembro de 1975 e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), depois de muitos anos de luta, conseguia instalar em Luanda um governo popular e democrático que se achava ameaçado pela guerrilha financiada pela África do Sul. Também de forma soberana, o então presidente Agostinho Neto havia solicitado ajuda ao governo de Cuba, para expulsar os invasores. Os aviões cubanos não poderiam cruzar o Atlântico sem uma base para reabastecimento.
O medo de que os guianeses pudessem ser "contaminados" pelos cubanos fez com que o Exército brasileiro aquartelasse tropas na fronteira com a Guiana, instalando o pânico entre a população fronteiriça daquele país, que temia por uma invasão brasileira. Nessa época, a Guiaria nem sequer possuía Exército. O evidente exagero da medida acabou obrigando o então chanceler guianês Frederic Wills a comparecer a Brasília.
Hoje, a Guiana é governada por Hugh Desmond Hoyte. Deve ao Brasil US$ 15 milhões e está aguardando a liberação de um linha de crédito de US$ 10 milhões, para intensificar o seu intercâmbio comercial. Em troca, o governo brasileiro espera o "sinal verde" para utilizar o porto de Georgetown como sua saída para o Caribe.
Para compreender Plenamente o Projeto Calha Norte, é necessário fazer-se uma análise dos planos geopolíticos dos militares brasileiros, levando em conta que o mesmo é uma tentativa totalmente na contramão de ressuscitar o clima de "Brasil potência" dos anos 70, no auge do milagre econômico".
A moderna geopolítica no Brasil começa com o livro do capitão Mário Travassos, editado em 1935, intitulado Projeção Continental do Brasil. No nosso entender a geopolítica é uma pseudociência. Mas como foi criada por teóricos com grande influência, principalmente nos Estados Unidos e Europa Ocidental, ela é a teoria oficial do imperialismo. Portanto, é necessário que seja estudada para que possamos compreender a estratégia e as manobras táticas do imperialismo.
Essa "ciência" tem algumas peculiaridades que incluem o ocultismo, o fetichismo e as artes mágicas. Uma de suas manifestações é o triângulo. Qualquer livro de geopolítica está cheio de triângulos. Para o principal geopolítico brasileiro, o general Golbery do Couto e Silva, o fato de o Brasil ser um triângulo com o vértice voltado para o Sul tem muito a ver com o seu glorioso futuro (conforme relata em seu livro Geopolítica do Brasil, considerado a "bíblia" do assunto pelos militares brasileiros). Um outro exemplo: o "pioneiro" Mário Travassos dizia que o triângulo formado pelas cidades de Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba e Sucre, na Bolívia, seria decisivo para o controle da América do Sul. Quem dominasse esse triângulo, dizia ele, dominaria todo o continente. Não há nenhuma base material para essa escolha, porém essa teoria fetichista foi levada a sério pelos militares brasileiros. No auge do "milagre", o Banco do Brasil chega a instalar agências em duas dessas cidades para consolidar a influência brasileira.
Enquanto os geopolíticos brasileiros se limitam a fazer triângulos em seu próprio território, embora estranha, essa prática é tolerável. É um amadorismo de quem não tem muitas tarefas a cumprir. O grave é que eles passaram a fazer triângulos em território alheio, em países vizinhos, projetando o Brasil além de suas fronteiras. O general Golbery diz textualmente: "O Brasil está magistralmente bem localizado para concretizar o destino tão incisivamente indicado na disposição das grandes massas continentais (os geopolíticos tratam de ler o futuro dos povos como uma cigana as linhas das mãos). Está tão bem situado que chegará enfim, a hora em que se projetará para além de suas fronteiras."

*Luzia Rodrigues é jornalista e membro do Conselho Consultivo da ABI-SP. Paulo R. Schilling é jornalista, responsável pelo projeto da dívida externa do Cedi, membro do Conselho Editorial da Revista Tempo e Presença, integrante do Desep-CUT.

(continua...)

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