quinta-feira, 19 de junho de 2008

PROJETO CALHA NORTE - VI

3ª parte do artigo escrito por Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling, em 1989.

Em:
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=482


Sociedade: Calha Norte - Além das fronteiras
em 30/06/1989


São 6 mil e 500 km de extensão, nos limites brasileiros com a Guiana Francesa, o Suriname, a Guiana, a Venezuela e a Colômbia, a serem ocupados militarmente, a pretexto de "fortalecer a presença nacional" na região. Na verdade, o plano elaborado na ditadura militar e que Sarney está implementando é a materialização das teorias geopolíticas do General Golbery do Couto e Silva. As segundas intenções são estender o poderio militar do Brasil para além do território nacional.

por Luzia Rodrigues e Paulo R. Schilling*


Da defesa ao ataque

A primeira etapa da estratégia geopolítica dos militares brasileiros é ocupar o território nacional. O que é absolutamente correto, ninguém pode contestar isso. Essa seria a primeira etapa do Calha Norte: ocupar um vazio geográfico. Mas o que tem que ser levado em conta é a forma como essa ocupação vem sendo feita, como as decisões são tomadas (sigilosamente) etc. Além disso, está o problema de que os militares, para consolidar essa ocupação, sonham avançar além da fronteira.
Golbery propõe a vivificação das fronteiras. O Projeto Calha Norte pretende criar, em volta dos postos avançados das instalações militares, aldeamentos e vilas de colonos. Isso lembra muito as chamadas "aldeias estratégicas" do Vietnã, criadas pelos americanos naquele país asiático. Com isso, a presença militar torna-se absorvente e dominante, o que significa a negação do sistema democrático.
Mas foi no Itamaraty que surgiu um técnico melhor credenciado que Golbery na questão das fronteiras vivas. Trata-se do ex-embaixador Teixeira Soares, ex-chefe da Divisão de Fronteiras do Ministério das Relações Exteriores. Em seu livro História da formação das fronteiras do Brasil, Teixeira Soares diz: "Meu livro foi escrito para demonstrar que a fronteira, hoje, não tem mais o conceito inteiramente linear de outros tempos. É diferente e dinâmica, porque avança e retrocede conforme as circunstâncias, sendo algo vivo que exerce pressão natural sobre a fronteira econômica e demograficamente mais fraca".
Ou seja, se de um lado existe um país com alta densidade demográfica e desenvolvimento econômico bastante acentuado e, do outro lado, uma população rarefeita e pobre, simplesmente a fronteira não existe. Ela vai sendo empurrada. Isso foi aplicado durante os anos da ditadura e continua na Nova República, porque a geopolítica não mudou em absoluto. Basta citar como exemplo o Paraguai, onde a fronteira recuou 100 km. Nessa faixa viveram cerca de 400 mil brasileiros (pequenos proprietários, bóias-frias e sem-terra) que foram empurrados para fora do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tornando-se instrumentos conscientes dos planos expansionistas dos militares brasileiros. Essa estratégia de forçar a emigração é uma das causas da não concretização da reforma agrária. Ninguém abandona sua pátria se nela consegue terra e condições minimamente razoáveis de vida.


Crise muda as táticas

Em relação ao Projeto Calha Norte, as táticas de ocupação e a expansão da influência brasileira junto aos vizinhos do Norte tiveram de ser adequadas à nova situação surgida com a crise econômica dos anos 80. Estrategicamente, contudo, a bacia amazônica como um todo continua sendo o segundo grande objetivo geopolítico dos militares e do atual governo brasileiro.
Em primeiro lugar, é preciso caracterizar que, efetivamente, a Amazônia é a região mais rica do mundo. Carajás abriga as maiores reservas minerais do planeta. Segundo levantamento do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM), as fronteiras norte de Roraima e do Amapá guardam em seu subsolo imensas jazidas de ouro e de diamantes. Além disso, toda a Amazônia é rica em petróleo, gás natural, bauxita, cassiterita, manganês, ferro, caulim e outros recursos minerais. Na serra do Navio, no Amapá, por exemplo, existe uma reserva de manganês estimada em 15 milhões de toneladas. Desde 1971 essa reserva vem sendo explorada pela Bethlehen Steel Co. em associação com o grupo Azevedo Antunes, com incentivos da Sudam.
Um levantamento realizado recentemente pelo próprio governo dá conta de que 40% da região vêm sendo explorados por empresas estrangeiras, isso sem falar nos garimpos clandestinos, na extração sem nenhum critério de madeiras nobres, como o mogno, e no contrabando de aves e de peles de animais. Só para dar uma idéia do que essa devastação representa, uma árvore de mogno demora quatrocentos anos para tornar-se adulta e ter sua madeira resistente à penetração de qualquer tipo de bactéria. O mogno é utilizado nos painéis das naves e foguetes que os americanos mandam constantemente ao espaço.

*Luzia Rodrigues é jornalista e membro do Conselho Consultivo da ABI-SP. Paulo R. Schilling é jornalista, responsável pelo projeto da dívida externa do Cedi, membro do Conselho Editorial da Revista Tempo e Presença, integrante do Desep-CUT.

(continua...)

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