domingo, 27 de julho de 2008

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA - III

Prosseguindo com a publicação de artigos e documentos produzidos ao longo dos últimos 30 anos sobre a Amazônia, apresentamos o artigo escrito pelo professor Cavagnari Filho. O texto tem cunho histórico e analítico, desenvolvido de forma bastante didática.

3ª parte

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA*

Geraldo Lesbat Cavagnari Filho**

O Projeto Calha Norte surgiu, em 1985, como reação unilateral ao imobilismo deliberado dos demais signatários em executar o Tratado de Cooperação Amazônica. Foi elaborado como plano de ação governamental com a finalidade de intensificar a presença do Estado ao norte dos rios Solimões e Amazonas, abrangendo uma área praticamente inexplorada, que corresponde a 14% do território nacional, com mais de 6,7 mil quilômetros de fronteiras terrestres — que se estendem de Tabatinga à foz do Oiapoque. Pelo planejamento original, ele deveria estar concluído até o final de 1997, mas a partir do governo Collor ele foi sendo esvaziado — isto é, sabotado — pelos governos que se sucederam até o atual, governo Fernando Henrique Cardoso. Desde o início, só os então ministérios militares realizaram a sua parte — se não a concluíram, foi por falta de recursos. O empenho desses ministérios — e, em parte, por ter sido uma iniciativa da extinta Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional — serviu de pretexto para a denúncia de pretensa militarização do Calha Norte. Até recentemente, consideravam-no um “projeto de guerra” falido. Porém, fatos recentes demonstram a importância dele para a segurança e defesa da Amazônia.
A partir de 1986, recursos militares foram empregados na criação de novas organizações militares e na ampliação de outras já existentes. É claro que as já instaladas — com exceção das brigadas de infantaria de selva e seus batalhões e dos fuzileiros navais — não são aptas a combates prolongados, mas apenas às atividades de vigilância e controle das fronteiras. Por enquanto, as organizações militares aptas a esses combates não possuem ainda um nível de prontidão e operacionalidade que atenda a uma necessidade de defesa imediata. Se esse nível for alcançado, o dispositivo militar atual poderá ter uma capacidade de pronta resposta (oportuna e eficaz) na defesa da Amazônia. A preocupação com a defesa stricto sensu dessa região não se reduz ao atendimento das necessidades na fronteira Norte do País, não se limita ao Calha Norte. Ou seja: se a preocupação é com toda a Amazônia brasileira, para sua defesa deverão concorrer necessariamente elementos de combate dotados de mobilidade tática e eficientes apoios logístico e aéreo.
Para a defesa nacional, segundo estimativas divulgadas, o Brasil deverá gastar cerca de US$ 10 bilhões para modernizar suas Forças Armadas no período de uma década, até 2010. Além desses recursos, deverão ser destinados US$ 1,2 bilhão para iniciar e concluir a parte civil e concluir a parte militar do Calha Norte, e US$ 1,4 bilhão para pagar o Sistema de Vigilância da Amazônia, Sivam, cuja conclusão está prevista para julho de 2002 — com atraso de dois anos. Atualmente, o dispositivo militar na Amazônia abrange 25.000 combatentes, sendo o maior efetivo o do Exército — cerca de 23.000. Deverão integrar-se a esse dispositivo, num prazo inferior a dois anos, 99 aviões turboélice ALX de ataque leve, que atuarão de forma conjunta com cinco sofisticados jatos EMB-145 — na versão de alerta avançado e vigilância eletrônica — e três, também EMB-145, de sensoriamento remoto. Além dessas aeronaves, farão parte do Sivam: 70 estações meteorológicas terrestres, 13 estações meteorológicas de altitude, seis radares transportáveis, 14 radares fixos, 10 sensores de transmissão clandestina e quatro estações de recepção de satélites meteorológicos. Para completar essa estrutura, aguarda-se a regulamentação da Lei do Abate — instrumento imprescindível à defesa do espaço aéreo amazônico.
Todavia, tais gastos não são credencial de um governo exemplar com a defesa nacional. Ao contrário. Foi a iniciativa conjunta dos Estados Unidos e da Colômbia de regionalizar a guerra civil colombiana que despertou no governo brasileiro maior interesse com a segurança e a defesa militar da Amazônia. Os Estados Unidos e a Colômbia tentaram usar o Plano Colômbia como um primeiro exercício concreto de cooperação regional diante de uma ameaça comum, o narcotráfico — e não, aparentemente, a guerrilha de esquerda. Essa tentativa, porém, foi rechaçada na IV Conferência de Ministros de Defesa das Américas realizada em Manaus. O Plano foi elaborado sem levar em consideração a opinião dos países vizinhos que terão de lidar com as conseqüências de uma escalada do conflito na Colômbia. A ameaça comum, não há dúvida, é o narcotráfico e não as forças insurgentes. Mas qualquer intervenção realizada por países da região na Colômbia resultará em envolvimento em todas as frentes da guerra civil — na frente do narcotráfico, assim como na frente das forças insurgentes.

* Artigo originalmente publicado em Carta Internacional, Funag-USP, ano X, nº 107/108, janeiro/fevereiro de 2002, pp.19-21.
** Fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e professor convidado do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

(Continua...)

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