sexta-feira, 25 de julho de 2008

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA

Prosseguindo com a publicação de artigos e documentos produzidos ao longo dos últimos 30 anos sobre a Amazônia, apresentamos o artigo escrito pelo professor Cavagnari Filho. O texto tem cunho histórico e analítico, desenvolvido de forma bastante didática.

1ª parte

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA*

Geraldo Lesbat Cavagnari Filho**


O início da presença militar na Amazônia coincide com a sua conquista, em 1616, quando foi erguido o Forte do Presépio, que deu origem a Belém do Pará. Mas a primeira colônia militar só viria a se estabelecer em 1840, na região do rio Araguari — seguindo-se a instalação de outras em São João do Araguaia, São Pedro de Alcântara, Óbidos, Oiapoque e Tabatinga. Na perspectiva da construção do território brasileiro, a Amazônia era tão importante quanto o Prata, já que o Império enfrentava as ambições francesas e britânicas de acesso ao vale amazônico, assim como as pressões dos Estados Unidos para o estabelecimento da livre navegação internacional dos rios amazônicos — que seria efetivada em 1866. Os contenciosos com a França (Questão do Amapá) e Grã-Bretanha (Questão do Pirara) só viriam a ser resolvidos no início da República. No entanto, o aprofundamento da defesa da Amazônia só seria iniciado no século seguinte, quando aquelas colônias foram substituídas por pelotões de fronteira. Se bem que, aprofundamento lento e intermitente.
Às Forças Armadas coube a iniciativa da articulação da Amazônia com as áreas mais avançadas da economia brasileira, com o propósito de defendê-la da cobiça internacional — porque já estavam presentes, segundo o discurso militar, as ameaças de sua internacionalização. Na década seguinte, na década de 80, com a introdução dos direitos humanos e do meio ambiente na agenda internacional, pareceu aos militares que o futuro da Amazônia estava novamente ameaçado, agora agravado pela intenção (mais aparente que real) das grandes potências de legitimar o “direito de ingerência”. Ou seja: legitimar um pretenso “direito” auto-outorgado por elas, para ser exercido conforme seus próprios interesses e os ditames do realismo político. Assim, em face de ameaça de tal magnitude, alguns setores militares foram induzidos a reintroduzir a “teoria da conspiração” no discurso de defesa da Amazônia.
Grande parte das acusações contra o Brasil estava apoiada em provas inconsistentes — havia exageros nas denúncias. Mesmo assim, qualquer ameaça que se insinuasse já seria motivo para justificar o fortalecimento do dispositivo militar na região. A ampliação e o fortalecimento da presença militar na Amazônia foram determinados, de certo modo, segundo a lógica que enfatizava a “hipótese da conquista” do espaço amazônico pelas grandes potências — o que implicaria, obviamente, ocupação efetiva do território. Essa “hipótese” teve algum relevo quando os Estados Unidos realizavam exercícios militares na Guiana, como se eles fossem o prelúdio da aplicação da “teoria do cerco” — do “cerco” da Amazônia brasileira. Em face da possibilidade de configuração de tal “hipótese”, impunha-se então às Forças Armadas empregar a “estratégia da resistência” — que visaria, em tese, negar ou dificultar a ocupação do território amazônico pelo “invasor”, de modo que o levasse a repensar a continuidade da guerra, dado o pressuposto de que é possível resistir a uma ação militar na Amazônia.
O teatro de operações amazônico não se presta ao emprego centralizado de grandes unidades, de grandes efetivos. As operações realizadas são descentralizadas, a unidade tática de emprego é de pequeno efetivo. Nele não se configuram linhas de contato, e o controle do território é o controle de núcleos populacionais e de suas vias de acesso. A articulação das forças em terra ou é pelos rios ou é pelo ar, o que restringe a logística de grandes unidades. O teatro amazônico é, não há dúvida, o espaço adequado para uma guerra prolongada. Considerando as características inóspitas do terreno, que criam óbices consideráveis à logística, a dimensão continental de tal teatro e as condições climáticas e sanitárias desfavoráveis, uma intervenção militar na Amazônia demandaria uma mobilização de recursos de tal magnitude que uma grande potência não teria a certeza se alcançaria resultados compensadores — aliás, só a admitiria se estivesse em jogo algum interesse considerado vital. Ou seja: se essa grande potência estivesse disposta a enfrentar uma guerra prolongada. Até agora, não apareceu nenhuma disposta a enfrentá-la.

NOTAS
1 Demétrio Magnoli, O corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa do Brasil, São Paulo, Editora da Unesp – Editora Moderna, 1997, pp. 175 a 184.
2 Luiz A. P. Souto Maior, “O dever de ingerência”, in Carta Internacional, Funag-USP, ano VIII, nº 86, abril de 2000, p.2.
3 José Luiz Machado e Costa, “Balanço estratégico na América do Sul e o papel do Brasil na construção de uma visão sul-americana de defesa: condicionantes, singularidades e parâmetros”, in Política Externa, São Paulo, Paz e Terra – USP, 7(4), mar-abr-mai 1999, pp. 74-75.
4 Esta hipótese apresentei originalmente durante o debate do tema “Amazônia no contexto internacional”, no V Encontro Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais, realizado, em 29 de abril de 2000, no Auditório Simon Bolívar do Memorial da América Latina.
5 O Estado de São Paulo, edição de 12 de março de 2001.

* Artigo originalmente publicado em Carta Internacional, Funag-USP, ano X, nº 107/108, janeiro/fevereiro de 2002, pp.19-21.
** Fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e professor convidado do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.


(Continua...)

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