segunda-feira, 28 de julho de 2008

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA - IV

Prosseguindo com a publicação de artigos e documentos produzidos ao longo dos últimos 30 anos sobre a Amazônia, apresentamos o artigo escrito pelo professor Cavagnari Filho. O texto tem cunho histórico e analítico, desenvolvido de forma bastante didática.

Final

INTRODUÇÃO À DEFESA DA AMAZÔNIA*

Geraldo Lesbat Cavagnari Filho**

O conflito colombiano já se estende por quatro décadas. Até há pouco tempo, era manejável pelo governo: a guerrilha de esquerda, em nenhum momento, durante a Guerra Fria, chegou a ameaçar a estabilidade do país. Na última década, na década de 90, quando ela e os paramilitares de direita passaram a ser financiados pelo narcotráfico, a situação escapou ao controle desse governo. Com esse apoio financeiro regular e substancioso, tais forças insurgentes — Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, Exército de Libertação Nacional, ELN, e Autodefesas Unidas da Colômbia (confederação de exércitos privados formados pelos paramilitares de direita), AUC — assumiram um protagonismo significativo na política colombiana, apresentaram-se como alternativa de poder. Obviamente, indesejável tanto para o governo — e, por extensão, para a oligarquia colombiana — quanto para os Estados Unidos. O Plano Colômbia poderá reduzir significativamente a produção colombiana, mas não reduzirá a produção global de drogas. Se a demanda persistir no mercado americano, ela será atendida por outras fontes produtoras. Na realidade, conscientes de que os resultados obtidos na frente do narcotráfico não influirão no consumo norte-americano, os EUA estão determinados a eliminar as forças insurgentes como alternativa de poder no conturbado processo político colombiano. Ou melhor, estão determinados a eliminar a guerrilha de esquerda como alternativa de poder.
É claro que na ótica de Washington a ameaça principal à segurança regional não reside nem no narcotráfico nem nos paramilitares de direita, mas no precedente perigoso que poderá representar uma guerrilha de esquerda bem-sucedida na América do Sul. Daí a determinação dos Estados Unidos em demonstrar à opinião pública mundial que as forças de guerrilha — tanto as Farc quanto o ELN — “estão se afastando cada vez mais de sua origem política para envolver-se plenamente no mercado de drogas ilícitas”. Ou seja, elas em si já se constituem em cartel de drogas. Segundo essa visão, estão desqualificadas para participar do poder político colombiano. Mas, na ótica dos países amazônicos, no conflito colombiano impõe-se a solução negociada. Solução que exige, por sua vez, a qualificação da guerrilha de esquerda como alternativa de poder, apesar de os EUA buscarem o oposto. Desqualificados devem ser considerados os paramilitares de direita — que, na realidade, constituem uma organização tão criminosa quanto os cartéis da droga.
Por enquanto, não há ameaças à Amazônia que exijam resposta militar. Nem mesmo o conflito colombiano representa ameaça dessa natureza. Ou seja: nem a transferência das unidades de transformação da coca e da papoula, respectivamente, em cocaína e heroína, nem a fixação da guerrilha de esquerda em “santuários” na Amazônia brasileira atentarão contra a soberania nacional ou contra a integridade do território brasileiro. Aliás, nada indica que num futuro imediato ameaças de natureza militar venham a se apresentar no cenário amazônico. Mas, de qualquer modo, o Brasil deve investir na busca da capacidade de pronta resposta de suas forças singulares presentes na região amazônica. No entanto, nada obriga que em termos de defesa stricto sensu, em termos de defesa militar, deva ser atribuída prioridade maior à Amazônia que ao Atlântico Sul e à região que concentra efetivamente o poder e a riqueza do País. Aliás, a essa região e ao Atlântico Sul é que deve ser atribuída a mais alta prioridade de defesa. Nem a “teoria da conspiração” nem o seu corolário, a “teoria do cerco”, são referenciais recomendáveis ao planejamento estratégico-militar.

NOTAS
1 Demétrio Magnoli, O corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa do Brasil, São Paulo, Editora da Unesp – Editora Moderna, 1997, pp. 175 a 184.
2 Luiz A. P. Souto Maior, “O dever de ingerência”, in Carta Internacional, Funag-USP, ano VIII, nº 86, abril de 2000, p.2.
3 José Luiz Machado e Costa, “Balanço estratégico na América do Sul e o papel do Brasil na construção de uma visão sul-americana de defesa: condicionantes, singularidades e parâmetros”, in Política Externa, São Paulo, Paz e Terra – USP, 7(4), mar-abr-mai 1999, pp. 74-75.
4 Esta hipótese apresentei originalmente durante o debate do tema “Amazônia no contexto internacional”, no V Encontro Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais, realizado, em 29 de abril de 2000, no Auditório Simon Bolívar do Memorial da América Latina.
5 O Estado de São Paulo, edição de 12 de março de 2001.

* Artigo originalmente publicado em Carta Internacional, Funag-USP, ano X, nº 107/108, janeiro/fevereiro de 2002, pp.19-21.
** Fundador e coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e professor convidado do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da USP.

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