quinta-feira, 30 de abril de 2009

ENSINAMENTOS SOBRE A CRISE. SERÁ? (2)

(... continuação)
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2 - As duas últimas décadas do século XX consolidaram uma percepção de mundo que pode ser esquematicamente descrita da seguinte forma. Os países centrais, emissores de moedas-reserva - os Estados Unidos, principalmente, mas também o Japão e os países da União Européia que adotaram o euro e, em menor escala, Inglaterra e Suíça -, com a confiança externa garantida e o espectro da inflação afastado, não tinham restrição efetiva ao crescimento, a não ser a estabelecida pela capacidade de criar demanda doméstica. Os limites da função de produção doméstica seriam indefinidamente complementados pela capacidade de financiar qualquer déficit externo.

É verdade que a capacidade de criar demanda doméstica era muito diferente entre eles. Num extremo, os Estados Unidos, a mais dinâmica economia mundial, movida por uma agressiva mentalidade consumista, turbinada pelas extraordinárias inovações tecnológicas e financeiras das últimas décadas, convencida de sua inesgotável capacidade de adaptar-se e reinventar-se. No outro, o Japão, que, após o fim da bolha imobiliária no início da década de 1990, viu-se paralisado, com o sistema bancário insolvente e o setor privado traumatizado, incapaz de responder aos estímulos da política econômica para gastar e reduzir a taxa interna de poupança. Mesmo entre os países da Comunidade Européia, houve diferenças marcantes na velocidade do consumo e do crescimento. Num extremo, a Espanha e a Irlanda; no outro, a Alemanha, naturalmente conservadora e, durante muito tempo, engasgada com sua unificação.

Mas, como um todo, os países centrais, emissores de moedas-reserva, foram as locomotivas do consumo mundial, despreocupados com o aumento do endividamento privado interno e com os recorrentes e crescentes déficits externos. Mesmo o Japão, incapaz de reacender o consumo privado doméstico, fez uso da política fiscal e, sobretudo, da política monetária, agressivamente expansionista, que, em última instância, financiou parte do endividamento e do consumo internacional dos países centrais. Mesmo quando não conseguem estimular a demanda interna por meio de uma política monetária expansionista, após a crise, os países centrais, emissores de moedas-reserva, podem financiar o consumo externo de seus parceiros comerciais, para expandir suas exportações.

Os países periféricos, traumatizados e escaldados pelas crises recorrentes, compreenderam que a adoção da síntese de política macroeconômica não era condição de suficiência para garantir a confiança dos investidores e poderem participar diretamente da grande euforia da expansão do crédito mundial. Para evitar que fossem recorrentemente atropelados por uma súbita falta de confiança dos investidores, ao levarem longe demais a dependência de capitais externos, os países periféricos adotaram uma atitude cautelosa. Compreenderam que era possível beneficiar-se da expansão financeira e comercial mundial, mas a reboque, necessariamente, do dinamismo das economias centrais. Era preciso garantir que o crescimento doméstico estivesse sempre subordinado ao crescimento da demanda externa. O setor exportador deveria funcionar como dínamo do crescimento econômico, mesmo que - como é quase sempre o caso nas economias emergentes, com carências de toda ordem -, a demanda interna tivesse um enorme potencial de dinamismo.

O crescimento das economias periféricas neste início de século foi todo baseado na contenção do consumo doméstico e no estímulo às exportações para atender ao consumo das economias centrais. Explica-se assim que o Brasil, tendo enfrentado mais uma crise de balanço de pagamentos em 1999, já depois de superada a inflação crônica, tenha adotado desde então uma política monetária, ao menos à primeira vista, excessivamente conservadora. Os juros extraordinariamente altos no Brasil são um seguro contra a instabilidade geniosa dos investidores. Países emergentes, que dispõem de uma credibilidade condicional, não têm espaço para transformar o consumo interno em locomotiva do crescimento. Toda tentativa de mobilizar o consumo interno como fator autônomo de crescimento corre o risco de esbarrar na restrição externa. O resultado é uma brutal e desorganizadora desvalorização cambial, depois da qual não haverá espaço para conduzir políticas anticíclicas compensatórias. Tanto a política monetária como a política fiscal deverão ser contracionistas, para restabelecer a confiança abalada dos investidores internacionais.

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