domingo, 5 de abril de 2009

UMA VISÃO SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL - III

Tese da Kizomba sobre o Movimento Estudantil


UNIVERSIDADE: DERROTAR A REFORMA NEOLIBERAL
O projeto neoliberal para a educação brasileira inscreve-se nos marcos das reformas econômicas, sociais e políticas implementadas a partir do governo Collor. Com o desemprego resultante das mudanças geradas pela implementação de novas tecnologias e do novo padrão de acumulação capitalista, as universidades passam a cumprir um novo papel estratégico: formar “mão-de-obra” especializada em grande número e a baixo custo.

O pouco investimento em pesquisa é reduzido —segundo o ex-ministro Bresser “tecnologia não se cria, se compra”—, como atestam os próprios dados do CNPq mostrando que houve o corte de 8.000 bolsas de pesquisa entre 1996 a 1999 e que o financiamento para bolsas de mestrado caiu 41% em cinco anos. A farra dos cursos de rápida duração (os tais “cursos seqüenciais por campo de saber”) possibilitando a obtenção de várias qualificações formais, é a tônica de um sistema educacional que estimula ao máximo uma visão competitiva e individualizante do homem: só os mais fortes sobreviverão.

Há que se dizer que o governo vem sendo “competente” nesta área. Afinal, conseguiu votar a LDB que queria e a usa para implementar as reformas que julga necessárias para adaptar as universidades ao projeto que comanda. Assim, abriu a possibilidade de usar o ENEM para justificar uma “nova” forma de acesso à universidade; redefiniu a composição dos colegiados nas IFES, dando aos professores um peso muito maior do existente anteriormente; criou os cursos de pequena duração, o que possibilita que um estudante obtenha um diploma depois de dois anos de estudo, o que é o Nirvana para os tecnocratas do governo, pois assim ficamos menos tempo na universidade e podemos ser formados para as profissões que lhes interessam.

Além disso, FHC conseguiu barrar a aprovação do Plano Nacional de Educação elaborado pela sociedade, aprovando um substitutivo feito de encomenda.

Não contente, vetou as emendas propostas pela Câmara, não por acaso, exatamente as que obrigavam o governo federal a destinar mais recursos para a educação. Ora, pensaram os tecnocratas do Planalto, afinal de contas, os governos municipais e estaduais precisam se adaptar à Lei de Responsabilidade Fiscal e não podem sair “gastando” mais dinheiro, ainda mais com um assunto tão pouco importante como é a educação pública. Mais que isso, FHC e seu comparsa, Paulo Renato, criaram o Provão.

Sendo um dos pilares da política educacional do governo FHC, o provão tem como princípios a competição selvagem entre as universidades e a adaptação do ensino superior a conteúdos que tiram da educação seu potencial transformador. Esses princípios acabam instalando na educação brasileira uma única lógica, a do “mercado”.É o provão, também, que legitima a expansão violenta do ensino particular. Afinal, o governo federal justifica a abertura indiscriminada de cursos que vem ocorrendo pelo argumento de que “o provão os fechará”, caso o resultado da avaliação seja ruim, o que, além de mentira (nenhum curso foi fechado até hoje), seria um tremendo desrespeito com os estudantes que passaram alguns anos cursando estas faculdades.

No final das contas, o exame favorece aos conhecidos mercenários da educação, cujos estudantes irão sim se sair bem no provão, afinal, estarão sendo preparados para isso. Não custa lembrar que algumas universidades oferecem aulas de reforço aos sábados para que os estudantes atinjam boas notas no provão, atividade discutível sob todos os aspectos, inclusive o da eficácia.

Outra iniciativa de FHC foi o Projeto de Autonomia Universitária. Inversão de uma bandeira histórica dos movimentos estudantil, docente e dos servidores técnico-administrativos, o governo apresentou diversas versões do projeto, todas na direção de desresponsabilizar o estado, progressivamente, do financiamento da universidade pública. A última versão propunha que 1/3 do financiamento fosse bancado pelas próprias universidades. Apontava a assinatura de um contrato de gestão com metas a serem atingidas pelas universidades que, se não alcançadas, levariam a uma intervenção por parte do governo.

O governo federal tenta agora dar o golpe final nas Universidades públicas no país, apresentando o seu nefasto projeto de emprego público. Este projeto busca impulsionar o processo de desmantelamento do ensino público superior no país e de seu caráter público, além de desconstruir um legado de lutas e conquistas substituindo servidores com relativa autonomia por empregados, subordinados, cada vez mais, aos imperativos do mercado.

Esta medida visa precarizar mais ainda a universidade, acentuar a fragmentação entre professores, quebrar as redes de solidariedade e criar o professor que apenas leciona, sugerindo-nos a idéia de transformar a universidade aos poucos numa “escola de terceiro grau”.

O interessante a notar é que o conjunto destas medidas (LDB, vetos ao PNE, Provão, Projeto de Emprego Público) foi apresentado/aprovado de maneira autoritária. Desta maneira, FHC segue à risca a cartilha neoliberal para a educação na qual o estado deve ser mínimo para financiar e máximo para definir. É fundamental compreendermos isto para evitar os erros de construir, por exemplo, um Plano Emergencial sem discussão e mobilização nas universidades, como ocorreu no ano 2000. Um “plano de papel”, construído pela direção majoritária da UNE apenas como espetáculo e que nem para isso serviu, pois foi desprezado pela mídia nacional e pelo governo que nem o recebeu das mãos dos diretores da UNE.

Além destas medidas, está claro que o governo ainda não teve força para implementar a toque de caixa as diretrizes do Banco Mundial aprovando a cobrança de mensalidades, por lei ou medida provisória, nem o seu projeto de Autonomia Universitária. Assim, FHC investe numa outra estratégia, desobrigando-se gradativamente dos investimentos nas instituições de ensino superior e estimulando que as universidades estaduais e federais saiam à cata de recursos onde bem entenderem.

Algumas faculdades públicas, por exemplo, já têm uma enorme parcela do seu orçamento vinculada aos cursos de extensão pagos ou aos cursos de especialização e pós-graduação lato sensu, muitos deles atrelados às fundações privadas no interior das universidades.

Assim sendo, os meios justificam os fins, numa anedota pecuniária. O debate acerca da autonomia nas universidades públicas, desde a eleição de FHC, tomou um rumo único, determinado pelos tecnocratas e pelo ex-ministro-gerente de supermercado, Bresser Pereira: autonomia é liberdade para captar recursos onde desejem as universidades, em tempos de contenção de verbas públicas. Simples e direto. Estava inaugurada a era da caça aos recursos financeiros adicionais, estejam onde estiverem. Vai-se gestando assim, a “nova universidade”, organizações sociais de caráter misto (como?), destinadas a estabelecer um contato real com a sociedade e estimuladas a promover o desenvolvimento tecnológico necessário ao crescimento da nação.

Claro está, que não haja quem rasgue dinheiro, a universidade deve oferecer sua contraparte, prestar contas das parcas verbas públicas e oferecer mais e melhores serviços aos parceiros investidores. Por um lado, compromete-se a universidade a também ajustar-se às restritas verbas, cortando gastos e etc.—o que deve ser estritamente observado, sob o risco de uma intervenção do Ministério. Por outro lado, a benevolência dos investidores implica a adequação dos fins aos meios financeiros. Nada que não haja prenúncio em nossos campi.

Unidades como a FEA, na Universidade de São Paulo, já há muitos anos recebem aportes privados, de forma regular e oficial, o que inclusive catapultou o surgimento de fundações como a FIPE ou a FIA, nas quais um curso de especialização pode chegar a custar R$ 20.000,00 o semestre, produzindo os quadros para gerenciar o mercado e os instrumentos para que este possa desenvolver-se e ampliar-se. Que autonomia pode ter uma universidade que dependa dos aportes advindos desse capitalismo periférico e concentrador de renda que se instalou por aqui?

A busca da excelência, violentamente concebida, se dá no regime de competição entre os pares, no fito de fazer carreira, e os laços de sociabilidade interna ao ambiente acadêmico derivam-se como um jogo privado de afirmação egoística, demonstrando assim a sociopatia inerente à sociedade burguesa. Como se o “real”, o dinamismo de uma sociedade que se mobiliza contra os privilégios de sangue da aristocracia, em que os indivíduos devem se afirmar socialmente por seus méritos e competências, conforme dita a ideologia burguesa, fosse traduzido em tempos atuais como a única forma pela qual a sociedade se realiza: o fetiche da competitividade.

Toda reforma atual vem no sentido de tornar a universidade —ou que instituição for— mais competitiva, como se fosse um atributo sem o qual ela ficasse despida de valor, perdesse sua dignidade. O governo, ciente dessa questão, recrudesce a cada dia esta disputa interna e o projeto de emprego público vem coroar esta política.

Com estas palavras queremos ressaltar que a luta em defesa da universidade pública e gratuita é uma luta externa e interna ao mesmo tempo. Assim, da mesma forma com que devemos lutar para o governo investir mais recursos na universidade, devemos combater com veemência reitores, diretores de unidades e grupos que “aceleram” a adaptação da universidade à ideologia do mercado.

Muito além da privatização da estrutura, vivemos a privatização da pesquisa nas universidades públicas, muitas vezes chancelada por convênios pouco transparentes entre as universidades e as empresas privadas, possibilitados pela composição antidemocrática dos colegiados/conselhos. No mais das vezes, nem temos acesso a estas informações, pois muitas das pesquisas “privatizadas” na universidade se dão através das fundações, e não passam nem pelo funil dos conselhos universitários. O potencial crítico e transformador, necessário e inato à produção científica, vem deixando espaço para o mais pobre dos comportamentos intelectuais: o que busca sua sobrevivência na reprodução tacanha e simplória do conhecimento conservador da ordem e do status quo. Estas constatações trazem implicações para o próprio ME.

É impossível dissociar sua crise dos dilemas da própria universidade. Uma das faces desta crise é justamente a correlação de forças desfavorável no plano interno para a luta em defesa da universidade pública, gratuita, democrática e de qualidade. Para muitos esta é uma bandeira ultrapassada, empunhada pelos dinossauros que querem paralisar/inviabilizar a universidade.

Por outro lado, avaliar dificuldades da luta política na conjuntura atual dentro das universidades não implica concluir que nada pode ser feito para resistir. A crise do governo e a aceleração da linha privatizante nas universidades públicas mostram o potencial de luta. E a greve dos estudantes da USP e da UFBA que tiveram uma ampla repercussão local e nacional e foram alimentadas por uma pauta externa e interna são bons exemplos que comprovam a justeza desta avaliação.

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