Tese da Kizomba sobre o Movimento Estudantil
DESPRIVATIZAR A UNE
Nos últimos anos, a UNE distanciou-se progressivamente da defesa dos interesses dos estudantes e se transformou num instrumento privado dos interesses da UJS/PC do B. O ME vive uma paradoxal situação na qual, em alguns momentos, os estudantes e muitas de suas entidades demonstram uma disposição de enfrentar o projeto privatizante de FHC e a entidade que deveria unificar esta luta e conferir-lhe a coesão necessária para aumentar as possibilidades de vitória, a União Nacional dos Estudantes vem-se comportando como um instrumento de contenção de qualquer iniciativa de radicalização das lutas. Não é demais lembrar que houve um aumento nas manifestações de rua nos últimos dois anos, em virtude do estrangulamento provocado pelo governo FHC, e a UNE esteve ausente na quase totalidade das manifestações.
Fatos demonstram que todo tipo de proposta dos estudantes que fuja ao controle dos interesses da UJS/PC do B é imediatamente rechaçado e boicotado pela direção majoritária da UNE, pois a UJS vê nestas manifestações uma possibilidade de perda do controle da direção. Durante a greve dos professores das federais, em 98, constituiu-se um Comando Nacional do Estudantes das públicas que articulou a incorporação do ME ao movimento grevista. O presidente da UNE declarou publicamente na imprensa que aquela não era uma greve correta e não estimulou a mobilização estudantil, deixando os professores isolados. A greve cresceu, ganhou apoio da sociedade e contribuiu para colocar FHC na parede e atrasar a implementação da reforma neoliberal nas universidades.
No ano passado, em São Paulo, as universidades estaduais públicas entraram em greve, num movimento não visto por estas instituições desde 1988 e a ausência da UNE só não foi sentida totalmente por causa de uma das diretoras da UNE que, não por acaso, além de ser aluna da USP, era apoiadora da Kizomba.
Não cabe o argumento dos outros diretores da UNE que a greve das estaduais paulistas era um evento localizado pois uma greve desse tamanho, com a radicalização implementada principalmente por funcionários e estudantes, repercutiu para além do Estado de São Paulo.
Também no ano passado, os professores e servidores técnico-administrativos das IFES fizeram uma greve nacional. Em sintonia com isto mas com autonomia, houve greve dos estudantes em algumas universidades federais. No CONEG em Minas Gerais foi aprovado um Comando Nacional de Mobilização com o objetivo de dar visibilidade nacional à greve dos estudantes, construir uma pauta de reivindicações e estimular a mobilização nas Universidades Federais. Esta resolução foi largamente sabotada pela direção majoritária. Mais uma vez, a UNE ficou subordinada aos interesses de um grupo que desrespeitou a resolução de um fórum legítimo.
Contudo, não é só da transformação da UNE que desejamos falar. Vários de nossos companheiros da Kizomba estiveram e estão à frente de entidades estudantis em todo o país e provaram que é possível implementar um projeto democrático e plural, com a participação de todos os estudantes na condução dos destinos da entidade.
Experiências como a dos DCEs da USP, da UFRJ e da UFBA nos mostraram que podemos aplicá-las também na UNE, buscando horizontalizar este arranha-céu construído pelas gestões da UJS/PC do B. O mais importante de nossa experiência em nossas universidades é o que talvez incomode nossos colegas do PC do B: nós não temos ojeriza à democracia, ao contrário, a valorizamos e a construímos.
Apesar de não acharmos que o governo FHC está com os dias contados, vê-se claramente uma enorme insatisfação na sociedade, agravada nos últimos meses pelos escândalos de Jader, ACM, Eduardo Jorge e Cia...
Neste sentido, para derrotar o governo e com ele sua nefasta política educacional, a UNE deve estar a serviço da indignação dos estudantes e organizar, em conjunto com as lutas de cada entidade em cada região, uma luta nacional, que mine o aparato de proteção formado ao redor de FHC e seus comparsas. Um grupo que dirija uma entidade nacional de estudantes em descompasso com os anseios de seus representados não pode considerar-se legítimo.
Devemos lutar para que esse estado de coisas se modifique já neste Congresso, combatendo a burocratização e a privatização da entidade que tem na confecção das carteirinhas um dos seus pilares fundamentais, como atestaremos nas próximas linhas.
CARTEIRINHAS: A UNE PRIVATIZADA
Desde 1992, as Carteiras de Identificação Estudantil se tornaram o principal mecanismo de sustentação da UNE. O inédito fluxo de caixa obtido a partir deste verdadeiro imposto estudantil propiciou não a construção de organizações mais fortes política e materialmente, mas sim as condições para a perpetuação de uma força política no comando de seu aparelho. Tal política veio reforçar uma cultura autoritária que já possuía um longo lastro no ME e bloqueava a participação dos estudantes.
A “eficácia” maior deste instrumento se revela na sua capacidade de cooptar segmentos não envolvidos com as concepções táticas e estratégicas da UJS para a manutenção do “status quo” nas entidades. As carteiras se tornam, assim, o elemento central que organiza uma ampla hegemonia de um movimento descolado da base e dos reais anseios da maioria dos estudantes. Essa hegemonia se tornou visível no comportamento de vários dirigentes estudantis.
O grau de profissionalismo a que chegou a militância de algumas entidades contrasta com a sua falta de representatividade. São comuns as entidades fantasmas, sem existência real na base do movimento, que movimentam milhões de reais. Contrapondo-se ao estabelecimento de um movimento estudantil de verdade, que luta pelos interesses reais dos estudantes, estas entidades fantasmas usam o “canto da sereia” dos bens materiais para atrair os oportunistas de plantão que passam, do alto de sua “ascensão’ social” a ditar regras ao conjunto dos estudantes. Está claro que tal atitude só fomenta a autoconstrução no ME, criando um tipo de dirigente de gabinete, totalmente alijado do cotidiano estudantil.Sabemos que as entidades estudantis precisam de sustentação material.
Mas, a comercialização do direito à meia-entrada, através do pagamento compulsório de taxas às entidades, não contribui para o fortalecimento das lutas. A história mostra que a UNE tem hoje a maior estrutura ao longo dos seus anos de existência e nunca esteve tão apática e distante da maioria dos estudantes. Isto mostra que a utilização de mecanismos que ferem os direitos dos estudantes contribui para a deformação dos objetivos destas entidades e para o fortalecimento de interesses privados (pessoais ou partidários) acima dos interesses coletivos.
Para comprovarmos esta interpretação, basta citarmos que o Comando Nacional de Mobilização dos Estudantes das Públicas não recebeu nenhum centavo da Tesouraria da UNE; ou ainda que duas importantes greves estudantis no ano de 2000 (USP e UFBA) ocorreram completamente por fora da lógica da estrutura montada pela direção majoritária da UNE.
Continuemos nosso diálogo sobre a meia-entrada, enquanto o principal emblema da crise. Depois de conquistarmos este direito num contexto de mobilização, percebe-se um desrespeito progressivo, com diferenças regionais mas em escala nacional. Assim, não cabe o argumento da UJS/PC do B/Agora só falta você de que a carteira da UNE facilita o acesso à meia-entrada.
Além disto, é incorreto pensar que, nos moldes atuais, o ato de fazer a carteira se constitui numa filiação dos estudantes à UNE. Muito pelo contrário. A maioria dos estudantes enxerga a entidade como uma prestadora de serviços. O interessante é que o grupo que dirige a entidade contribui para isto. Senão, como explicar que, na sua própria tese, justifiquem a importância de uma sede moderna pois “melhorará a prestação de serviços ao estudante” (p 16)?
A UJS/PC do B alega que sem o dinheiro da carteira não existe ME nem tampouco independência financeira nas entidades. Assim, a arrecadação compulsória da carteira é fundamental enquanto princípio de um movimento independente e que precisamos convencer os estudantes de que este dinheiro será usado para fortalecer as lutas.
Ora, é preciso dizer que há diversas entidades atuantes no ME que têm representatividade social e não se valem da carteirinha da UNE para implementar seus projetos. Aliás, muitas delas não recebem o repasse da UNE há anos.
Por outro lado, o DCE da UFBA, por exemplo, foi um dos poucos que conseguiu fazer uma greve com mobilização nas Federais e é o DCE pioneiro na construção da democratização da sustentação financeira com contribuição voluntária.
Em segundo lugar, é questionável a idéia de que a UNE tem independência financeira se não sabemos a quantas andam as finanças da entidade e se não há mecanismos coletivos de acompanhamento e controle destes recursos. É a falta de transparência e a “caixa-preta” da tesouraria que dá base à propaganda de desgaste que setores da imprensa reacionária fazem em relação à entidade.
Por último, se o pagamento da carteira é central enquanto luta de convencimento, como afirma a UJS, como explicar que, em algumas universidades baianas a carteira da UNE custa R$5,00? Não cabe o argumento de que o determinante é a desigualdade econômica à medida em que outros estados do Nordeste têm gritantes desigualdades sociais e nem assim o preço da carteira diminuiu. A única explicação plausível é a reprodução da idéia da carteira enquanto um “produto” que deve ser comercializado no “livre mercado” e que abaixar o preço é a melhor forma de “quebrar” a concorrência por falta de coragem para passar em sala de aula e defender o imposto obrigatório.
Diante destas reflexões e fatos, compreendemos que o caminho para o fortalecimento material das entidades, sem implicar numa perda de combatividade e das relações de solidariedade entre os estudantes, passa pelo prévio fortalecimento político. Uma entidade capaz de se fazer porta-voz da vontade dos estudantes é capaz de criar, pelos laços de solidariedade e representação, os mecanismos da sua sustentação, através da contribuição voluntária.
A contribuição compulsória representa uma verdadeira confissão da incapacidade das entidades de se tornarem referências concretas para os seus “representados”.
Nos últimos anos, ganhou força a proposta da meia-entrada para juventude. Acreditamos que também é hora de lançarmos uma campanha para que as carteiras fornecidas pelas escolas e universidades também sejam válidas para o acesso à meia-entrada. Seria criada uma contribuição voluntária, a ser realizada no momento da aquisição da carteira, de acordo com a vontade do estudante.
ELEIÇÕES DIRETAS
Compreendemos que é de fundamental importância a adoção de propostas que busquem oxigenar o ME e torná-lo mais representativo e participativo. Além da contribuição voluntária —enquanto uma ação consciente para que as entidades façam trabalho de base e conquistem representatividade e legitimidade junto à comunidade—, defendemos também as eleições diretas para a UNE.
Longe de pensar que esta medida é a solução mágica que de uma hora para outra tornará a UNE uma entidade “de massas”, como afirma a UJS/PcdoB/Agora só falta você para desqualificar a proposta, a defesa das eleições diretas para a UNE pode contribuir de maneira significativa para reoxigená-la e torna-lá menos afastada da maioria dos estudantes. É uma forma de fazer com que a maioria dos estudantes saiba das polêmicas no ME, questionem as chapas e se sintam com mais poder de participar e controlar os seus representantes.
Não queremos com isso dizer que o Congresso da UNE não é um espaço democrático (poderia sê-lo mais, isto sim). A questão é que numa eleição direta poderíamos dar concretude à idéia de começar a horizontalizar o ME, inserir a UNE de fato no interior das universidades e permitir que o estudante sinta-se responsável de verdade pela entidade que o representa.
Infelizmente, a UJS/PcdoB/Agora só falta você argumenta ainda que as eleições diretas impediriam a participação do estudante que não é de partidos, subordinaria a UNE aos interesses de grupos econômicos, bem como geraria intervenção judiciária. Pois bem. Em primeiro lugar, alguns sofrem de amnésia ou esquecem do passado intencionalmente quando lhes interessa.
A reconstrução da UNE se deu em 1979, ainda durante a ditadura militar. Neste congresso a eleição foi direta. Cinco chapas participaram, 713 entidades estudantis a organizaram, 300 mil estudantes votaram e não houve intervenção judiciária, embora estivéssemos sob um regime de exceção. Em segundo lugar, será que estes 300 mil votantes eram todos filiados a partidos? Óbvio que não. Em terceiro lugar, afirmar que a eleição direta garante a vitória do poder econômico é fazer uma leitura reducionista da política e subestimar a capacidade crítica dos estudantes.
terça-feira, 7 de abril de 2009
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