sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

OS PRINCÍPIOS DA CNUDM - II

OS PRINCÍPIOS DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR DE 1982

2. Elenco dos princípios e comentários
2.1 Princípio de soberania
A palavra soberania foi posta em voga no século XVI por Jean Bodin no seu livro Les Six Livres de la Republique.2 Para ele, a soberania é elemento essencial do Estado e consiste num poder supremo – Summa potestas– sobre o território e os seus habitantes.
No século XVII, o grande jurista Grótius, na sua obra Mare liberum sive de iure quod Batavia competit ad indicana commercia dissertatio, defende a idéia de que os mares devem ser livres e abertos a todos, ao que o inglês John Selden replicou com a obra Mare Clausum em 1639, “que recenseava todos os exemplos históricos de privatização de áreas marítimas desde a antiguidade. Mas, como as outras nações não aceitavam as pretensões inglesas, foi mister intervir diretamente pelo meio de uma poderosa marinha”.3
Segundo Silva Cunha, “a soberania é uma das formas que pode revestir o poder político, elemento do Estado, e caracteriza-se por ser um poder político supremo e independente”.4
A questão que se levanta é a seguinte: que tipo de soberania é possível nos Países escassos em recursos financeiros e humanos, cuja fiscalização das águas sob jurisdição nacional é deficiente?
Em relação ao Direito do Mar, a preocupação com a soberania também acompanha o desenvolvimento histórico desse campo do conhecimento.
Mesmo com a hegemonia inglesa sobre os mares durante três séculos, não se pode dizer que as outras nações se conformavam. Ao contrário, sempre procuraram contestar, nos fatos e no Direito, as pretensões hegemônicas. Para tanto, cada Estado poderia pelo menos utilizar dois argumentos: o de sua segurança própria e o da dificuldade de delimitar a soberania marítima.

2.1.1 Contexto
É importante ressaltar a mudança de contexto ocorrida com a evolução da tecnologia, pois o mar passou a ser visto como um meio para facilitar a comunicação, uma imensa reserva de riquezas.
Para as potências marítimas é tão importante dispor de vastas áreas livres de óbices para pesquisa e exploração quanto subtrair seus navios à fiscalização dos Estados costeiros.
Assim, profundas mudanças afetaram o comportamento dos Estados entre 1930 e 1945. Importantes progressos tecnológicos e necessidades geradas pelo segundo conflito mundial fizeram com que o mar passasse a ser considerado sob um novo ângulo. Até então, tinha sido essencial a preocupação em dominar o mar “por cima”, procurando-se resguardar o direito de navegação e de pesca. A partir de 1945, acrescenta-se a essa tendência a possibilidade e/ou necessidade de dominação “por baixo”, isto é reivindicações sobre o fundo do mar, seu solo e subsolo. Criam-se, então, os diversos problemas envolvendo a plataforma continental. A apropriação do solo do mar vai implicar tendência irresistível a reivindicar a soberania sobre as águas sobrejacentes.

2.1.2 Exemplos e comentários
O princípio de soberania é um dos mais importantes do Direito Internacional Público e por extensão do Direito do Mar. Os Estados na sua legislação têm sempre presente a noção de soberania. É o caso do Decreto n.º 1.530, de 22 de dezembro de 1995, que declarou a entrada em vigor da Convenção, a partir do dia 16 de novembro de 1994, com base na ratificação brasileira de 1988.
A esse propósito, Adherbal Mattos observa o seguinte:
Na Conferência de Haia de 1930, um dos temas, objeto de estudo pelo comitê paritário foi o das águas territoriais defendendo entre as conclusões adotadas de que o mar territorial integrava o território estatal, exercendo o Estado costeiro, soberania sobre essa faixa, no espaço aéreo sobrejacentes, permitida a passagem inocente de navios estrangeiros no mar territorial.
Mais tarde, em 1952, pela Declaração de Santiago, Chile, Peru e Equador reivindicaram jurisdição e soberania exclusivas até 200 milhas (ressalvando o direito de passagem inocente).
A Conferência de Genebra de 1958 admitiu a soberania do Estado costeiro em uma zona de mar adjacente as suas costas, a qual se estendia ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao leito e subsolo subjacentes. Na Convenção de 82 a soberania ocupa de novo um lugar de destaque ao considerar logo no artigo 2.º das Disposições Gerais que:
“A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente, designada pelo nome de mar territorial” e continua no n 2 do mesmo artigo “Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.5
O princípio de soberania esteve presente em todas as Conferências sobre o Direito do Mar e nas legislações internas. Por exemplo, o Decretolei n.º 1.098 apresentou afirmação unilateral de soberania para o necessário lastro jurídico à nação brasileira contra eventuais incursões estrangeiras.
Um de seus considerandos falou em “exercício de soberania inerente ao conceito de mar territorial” o qual se estende “ao espaço aéreo acima do mar territorial, bem como ao leito e subsolo do mar”.6
O conceito de soberania aparece claramente vinculado na Lei n.º 8.617, de 04 de Janeiro de 1993, determinando que o mar territorial brasileiro compreende uma faixa de 12 milhas marítimas de largura, estendendo-se a soberania do Brasil ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo.
Também, a Convenção estipula no que se refere ao instituto da passagem inocente que a passagem não será inofensiva se atentar contra a soberania do Estado costeiro. Um exemplo típico é o caso do estreito de Corfu (Reino Unido/Albânia) em 1949. Em síntese, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) condenou a Albânia a pagar indenizações ao Reino Unido, com base em três motivos: considerações humanitárias (mortos e feridos); liberdade das comunicações marítimas (passagem inocente); e dever do Estado de não permitir, desde que ciente, que seu território servisse a atos contrários ao direito de outros Estados. A Convenção de 82 admite a soberania, pelos Estados ribeirinhos, das águas que formam os estreitos utilizados para a navegação internacional, com ressalva da passagem em trânsito e da passagem inocente, para todos os tipos de navios (artigos 34 a 35).
Como foi visto, a Convenção é de aplicação universal e tem prioridade sobre todas as outras convenções na hierarquia das normas jurídicas do sistema internacional. É particularmente importante que os Estados conheçam o limite dos seus direitos e obrigações. Os direitos do Estado costeiro devem refletir não somente nos acordos de pesca, na marinha mercante e nas legislações nacionais. Os parâmetros dessas leis são estabelecidos na Convenção que, por sua vez, define os direitos de soberania do Estado costeiro e precisa a sua competência nos três componentes desses direitos, a saber:
a conservação, exploração e gestão.
O princípio de soberania aparece, ainda, no dever que o Estado costeiro tem de promover a realização de pesquisas científicas na área e o direito de adotar medidas necessárias para prevenir a poluição marinha.
No que diz respeito à plataforma continental, a Convenção no seu artigo 76 inciso VI prevê o exercício dos direitos de soberania sobre a plataforma para fins de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais.
Os direitos de soberania são exclusivos e ninguém pode empreender atividades sem o consentimento expresso do Estado costeiro.
Por outro lado, tanto a Constituição Brasileira como a Constituição de Cabo Verde estipulam que no mar territorial há pleno exercício de soberania e que os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva pertencem ao Estado. Assim, no artigo 1.º, inciso I da Constituição Federal de 1988, vem expresso que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamento a soberania, sendo que, no artigo 20, estabelece que são bens da União, entre
outros, os recursos naturais da plataforma continental e o mar territorial.7
A Constituição da República de Cabo Verde de 1992, no seu artigo 6.º, inciso II, estabelece que: “Na sua zona contígua e plataforma continental, definidas por lei, o Estado de Cabo Verde possui direitos de soberania em matéria de conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais, vivos ou não vivos e exerce jurisdição nos termos do direito interno e das normas do Direito Internacional”.8
Da leitura do artigo 6.º, verifica-se que o Estado de Cabo Verde teve a preocupação de integrar na sua Lei Magna o princípio de soberania consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.
É preciso assinalar que a Convenção reconhece o direito soberano e a jurisdição do Estado ribeirinho sobre os estreitos, seu espaço aéreo sobrejacente, o leito e o subsolo, de conformidade com a parte específica da Convenção, especialmente no direito de passagem em trânsito. Segundo o artigo 38 da Convenção, passagem em trânsito significa o exercício de liberdade de navegação e sobrevôo exclusivamente para fins de trânsito contínuo e rápido pelo estreito.
Por último, os canais internacionais, que são estreitos construídos pelo homem num território de um ou mais Estados para permitir ou facilitar a navegação entre dois mares, estão sujeitos à soberania do Estado cujo território é atravessado. É o caso dos canais de Kiel, Suez, Panamá e Corinto.

(Continua...)

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