Texto do sociólogo Silvio Caccia Bava.
O Brasil é um país que tem história, e as pessoas se esquecem disso. Já fomos colônia, e a escravidão, por lei, acabou faz pouco mais que cem anos. Temos uma cultura autoritária e um lugar certo na sociedade para ricos e pobres. O rico pode, o pobre não decide. Herdamos a desigualdade desta cultura autoritária, que centraliza o poder e se prolonga até os nossos dias, ao longo de toda a República. Nem mesmo a democracia, enquanto regime político, deu conta de enfrentar essa questão da desigualdade. Sai ditadura, entra democracia, e os pobres ficam cada vez mais pobres, e os ricos mais ricos. E não se trata de saber se a economia cresceu ou não. Já ficou provado que, se ela crescer, a desigualdade não se reduz.
Dados mais recentes, produzidos pelo IBGE, sobre a distribuição da renda, são eloqüentes:
Participação na Renda Nacional de Salários versus Lucros, aluguéis e juros
1990 – Salários: 45% X Lucros, aluguéis e juros: 33%
1994 – Salários: 40% X Lucros, aluguéis e juros: 38%
1996 – Salários: 38% X Lucros, aluguéis e juros: 41%
2002 – Salários: 36% X Lucros, aluguéis e juros: 42%
Como se vê, as políticas públicas permitiram a transferência, dos trabalhadores para os donos do capital, de 9% da renda nacional na última década. É isso que gera a pobreza.
Muito se tem falado sobre a pobreza, mas é difícil encontrar uma análise das suas causas. É um tabu. Não interessa para muita gente esta discussão. Os discursos vão mais na linha de se encontrarem os melhores caminhos para ajudar os pobres. Essa postura não é ingênua, ela entende que a pobreza é inevitável, sempre existiu e existirá, uma fatalidade como é a morte. E precisa ser aliviada por políticas compensatórias por parte do Estado e pela ação solidária da sociedade. É a visão dominante. Para aqueles que buscam analisar a pobreza de uma perspectiva histórica, ela é, antes de mais nada, uma condição política e, portanto, deve ser tratada na sua dimensão coletiva e como uma questão pública.
Desta ótica, a pobreza só existe como uma imposição do sistema de poder. Pobre, neste caso, é aquele que não decide. E o empoderamento das classes populares, assim como a sua disputa pela participação cidadã no planejamento, execução e controle das políticas públicas, passa a ser a via de superação da pobreza. O conceito-chave que permite trabalhar a questão da pobreza em sua dimensão política é o de exclusão social. Exclusão social é mais que a perda da renda, indica a perversa decisão histórica de uns pelo afastamento de outros, como diz Aldaíza Sposati.
A pobreza é o resultado da ação combinada de parte da sociedade e do Estado. Ela se produz a partir das políticas públicas e da livre ação dos mecanismos de mercado, nos quais a competição e o aumento de poder movem as relações sociais, o grande absorve ou mata o pequeno, o rico fica mais rico e mais pessoas ficam mais pobres.
Esta abordagem, chamemos de histórica, traz uma novidade em relação às demais. Mesmo quando o pobre é visto na sua dimensão enquanto indivíduo, o enfrentamento da questão da pobreza – e da exclusão social – é coletivo. A relação não se dá mais entre um Estado todo-poderoso e o indivíduo ou sua família. A relação com o Estado é mediada pelas entidades e movimentos que defendem os interesses das classes populares. O dilema central é o seguinte: se reconhecermos que, hoje, existem mecanismos que estão permanentemente produzindo a exclusão social no Brasil, quais são as implicações políticas? Será a mudança destes mecanismos e políticas que constantemente produzem e reproduzem a exclusão? Ou estes mecanismos estarão aí para sempre e o que se deve desenvolver são políticas que continuamente compensem estes efeitos indesejáveis? É bom lembrar que não se trata mais de esperar o bolo crescer para dividir. Agora já sabemos que, se alguém ganha, alguém tem de perder. Políticas de inclusão social têm necessariamente um caráter redistributivo da riqueza socialmente produzida. E ninguém abre mão, assim sem mais, do seu quinhão.
A questão que fica é a pergunta: como é que o governo Lula enfrentará, para além do Programa Fome Zero, a produção da desigualdade? E com quem ele pode contar para isso? Que movimentos, que forças sociais, hoje, são capazes de pressionar para as mudanças e sustentar as políticas que poderão acabar com a pobreza?
*Texto originalmente publicado no Diário de São Paulo de 09 de março de 2004
segunda-feira, 13 de abril de 2009
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Um comentário:
Oi, Marcos.
Tenho lá no meu blog uns selos para você. Espero que aceite.
Um beijo.
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